As formas de ensinar
O ensino de permacultura no formato do Curso de Planejamento em Permacultura (CPP), que possui o mesmo conteúdo do Permaculture Design Certificate Course (PDC), é organizado de forma a ser o mais interdisciplinar possível, visando falar com todos os públicos desde o ensino médio ao superior.
O ensino da permacultura, de modo geral, dialoga com distintas metodologias, de acordo com quem ensina. No entanto, há uma característica importante no instrutor que ensina permacultura, ele não é um teórico do assunto. Ele é antes um cientista prático, que não baseia sua opinião apenas em livros, mas que está o tempo todo estudando e aprendendo na prática, com vivências concretas em permacultura.
O currículo de um CPP deve seguir minimamente a proposta de Bill Mollison, publicada em 1985 no Syllabus, as éticas e os princípios de planejamento propostos por ele e por David Holmgren, lembrando que os princípios estão em constante revisão.
Nas vivências dos instrutores de permacultura, discute-se que a ordem de compartilhamento dos conteúdos é irrelevante, podendo iniciar por qualquer ponta, mas, no fim, todo o conteúdo proposto terá de ser abrangido. Neste livro buscamos transmitir a forma de ensinar o CPP que tem sido desenvolvida pelo NEPerma/UFSC, através da experiência de ensino da disciplina “Introdução à permacultura”, lecionada desde 2012 na UFSC e, mais tarde, com agregações de outras experiências de colegas da Rede NEPerma Brasil. O currículo dessa disciplina é baseado em fluxos energéticos.
Outras entidades parceiras trabalham com diferentes abordagens. A linha de desenvolvimento do Instituto Çarakura é estruturada por zonas energéticas, já a da estação de permacultura Yvy Porã segue por pedagogia de projetos. Para todos os CPP mencionados, compreendemos que podemos começar por onde bem quisermos, desde que mantida a lógica de transmissão sistêmica dos conteúdos.
Ensinando por zonas
No Instituto Çarakura o CPP é desenvolvido de forma coletiva com a participação de um time de instrutores. O ensino começa pela Zona 0 (zero), a casa, e em alguns casos pela “-1”, que se refere à consciência das pessoas. Nessa abordagem iniciada pela Zona -1, o primeiro dia de CPP é marcado pela sensibilização dos participantes com relação às questões ambientais e sociais. Após essa sensibilização, os dias posteriores seguem abordando as demais zonas 0, 1, 2, 3, 4 e 5, e culmina com o desenvolvimento do projeto final.
A ideia de ensinar por zonas prevê estimular o participante de dentro para fora e, à medida que ele se afasta para zonas mais periféricas, vão se agregando os novas técnicas e elementos. Em cada zona estudada, são repassados todos os conteúdos que podem ser trabalhados para esses espaços, por exemplo, Zona 1: manejo de águas, energias, ecologia cultivada (cultivos e criações), planejamento para eventos extremos, construções etc. Zona 2: idem para as técnicas e elementos que serão implantados nela, e assim sucessivamente para as demais zonas energéticas de planejamento. Alguns temas podem ser passados de forma única ou transversal, pois independem de zonas, como a leitura da paisagem, a metodologia de planejamento (elementos/características, necessidades e funções/zonas e setores), as estruturas invisíveis, os conceitos básicos de ecologia, os solos etc.
Ensinando por pedagogia de projetos
Na estação de permacultura de Yvy Porã, os permacultores Jorge Timmermann e Suzana Maringoni propõem que o ensino de permacultura dialogue com a pedagogia de projetos, partindo das vivências dos participantes. Ou seja, que o grupo repense as reais necessidades das pessoas e a sua relação com o meio ambiente.
O curso inicia com as demandas do grupo a partir da pergunta: “O que o ser humano precisa para viver e ser feliz?”. As demandas do grupo geralmente apontam para pontos concretos como abrigo, água, alimentação, saneamento, entre outros. Elas também olham para pontos que levam à ética, ao respeito, companhia, amor, saúde etc. Assim, via de regra, parte-se da moradia e segue-se permeando as demais zonas energéticas dialogando com as éticas e princípios de planejamento durante todo o curso.
No sentido de vivenciar as aulas teóricas, aparecem as práticas que servem de ilustração para o que foi desenvolvido em sala ou que venham a servir de problematização para a aula teórica que virá depois.
A elaboração do planejamento permacultural no final do curso busca fazer a síntese de tudo o que foi estudado e discutido. O fato de um aprendiz de permacultura fazer o exercício do planejamento em grupo, num ambiente com amparo dos seus instrutores, é de suma importância para que haja a possibilidade de todos se debruçarem sobre o estudado e de aplicarem, numa área determinada, os conceitos e os conteúdos trabalhados nas aulas.
Ensinando por princípios
Em todos os CPP, as éticas e princípios de planejamento devem paulatinamente estar presentes, pois sua incorporação é fundamental para a formação do permacultor. Pensar um curso em que cada princípio de planejamento (segundo David Holmgren) possa ser abordado em meio turno (manhãs e tardes) no decorrer do período pode ser uma via para obter essa incorporação. O quadro a seguir dá uma sugestão de conexão entre cada princípio de planejamento e o tema a ser abordado no CPP.
Princípio de planejamento | Tema a ser abordado |
---|---|
Observe e interaja | Leitura da paisagem |
Capte e armazene energia | Energias |
Obtenha rendimento | Ecologia cultivada |
Pratique a autorregulação e aceite conselhos (retornos) | Planejamento para eventos extremos |
Use e valorize os recursos naturais renováveis | Solos |
Não produza desperdícios | Metodologia de planejamento |
Planejamento partindo dos padrões para chegar aos detalhes | Padrões naturais |
Integrar ao invés de segregar | Estruturas invisíveis |
Pense soluções pequenas e lentas | Introdução e sensibilização |
Use e valorize a diversidade | Fundamentos de ecologia |
Use as bordas e valorize os elementos marginais | Águas |
Use a criatividade e responda às mudanças | Arquitetura e permacultura |
Assim, temos o currículo todo com foco na intensidade de cada princípio, e o participante pode realizar conexões (pensamento sistêmico) entre os temas, construindo, dessa forma, o seu conhecimento. A proposta norteadora é manter os princípios de planejamento presentes ao longo de todo o curso.
Caso não seja adotada como estrutura de ensino, pode-se usar essa abordagem como uma dinâmica ao final de cada aula/tema, em que os participantes devem opinar sobre qual princípio é o mais intenso para o tema que foi abordado no dia/período. Pode-se ir fixando, dia a dia, cada princípio aos temas abordados em um cartaz fixado na parede da sala de aula.
Ensinando por fluxos energéticos
O currículo do CPP/disciplina “Introdução à permacultura” é baseado em fluxos energéticos. Nele, para cada um dos temas propostos por Bill Mollison, há sempre uma abordagem focando a conservação da energia no ambiente planejado, seja ela estocada em elementos “estáticos” ou “dinâmicos”. O currículo está baseado em três estágios que buscam introduzir a temática, sentir os fluxos e estabelecer formas de convívio harmonioso com o ambiente hospedeiro.
A introdução versa sobre a permacultura em sua essência como ciência holística de cunho socioambiental e filosofia de vida. Logo após são ensinadas as éticas e os princípios de planejamento, seguidos dos fundamentos de ecologia, versando sobre conceitos básicos com ênfase na sucessão ecológica de espécies em ecossistemas naturais.
A percepção dos fluxos energéticos aparece nitidamente na abordagem dos padrões naturais, pois esses fluxos são baseados na eficiência de cada padrão em conservar energia por meio do seu uso otimizado em processos de sobrevivência, pois as espécies evoluíram desenvolvendo padrões eficientes e capazes de se adaptar em diferentes contextos da natureza. Em leitura da paisagem os fluxos energéticos aparecem como moldadores da natureza e o entendimento de sua presença sempre tem uma razão de ser/estar, que deve ser observada, reconhecida e aproveitada.
Após essa passagem de reconhecer e entender o porque dos fluxos energéticos, é ensinada a metodologia de planejamento, que mapeia a paisagem colocando setores, zonas energéticas e elementos no ambiente a ser planejado. Esse é o conteúdo “cerne” de todo o aprendizado, no que tange à formação básica em permacultura.
Logo após temos uma imersão em solos, que versa esse meio como um reservatório de energia acumulada, através da matéria orgânica depositada e contida nas porções minerais. Os solos são tratados, na permacultura, como um grande banco de energias, incluindo a importância como meio estruturante para nossas moradas, como reservatório do ciclo de água e de calor oriundo da decomposição de matéria orgânica. Além disso, serve de substrato fértil ao crescimento das culturas, sendo a base da vida. Essas culturas são abordadas na lógica da ecologia cultivada, por meio da qual é incentivada a inserção de espécies bem adaptadas a cada condição climática e a cada paisagem bem como o uso de técnicas de obtenção de alimentos com baixo consumo de energia. Sobretudo aquelas energias gastas pelo permacultor, pois este se valerá das conexões entre elementos e zonas energéticas para realizar o manejo do sistema planejado.
Para finalizar a parte de entendimento do contexto ambiental do espaço, são trabalhadas as principais energias nos temas águas e energias no sistema planejado. Nesses dois temas, são mostrados todos os fluxos e estratégias de conservação e de conversão das águas e das energias, por meio de dispositivos naturais de manejo ou por tecnologias apropriadas.
A compreensão sobre como podemos ter uma relação harmoniosa entre a espécie humana e os ecossistemas abarca a temática da permacultura urbana, seguida da arquitetura e permacultura que foca na construção o abrigo, seja ele unifamiliar ou coletivo. Segue-se pelo planejamento para eventos extremos, no intuito de nos prepararmos para as mudanças ambientais em escala global, mas de reflexo local e, por último, versa-se sobre a organização social por meio da revelação das estruturas invisíveis, que nos cercam no atual modelo organizado de forma hierárquica e centralizada.
A estrutura do CPP por energias
Esta seção tem sua estrutura baseada no currículo de ensino por fluxos energéticos, que compartilha os conhecimentos da permacultura considerando três estágios de aprendizado, que incluem bases fundamentais de conhecimento para a [re]conexão à natureza, o manejar com a natureza o espaço planejado e a inserção de humanos na paisagem.
O primeiro estágio fala dos conhecimentos fundamentais para a formação de um permacultor, passando pela sensibilização para os problemas ambientais e o nosso distanciamento da natureza. Logo após, vem a apresentação das éticas e princípios de planejamento, fundamentos de ecologia e clima, reconhecimento de padrões naturais e como fazer uma boa leitura da paisagem.
O segundo estágio compreende o manejo da paisagem considerando a metodologia de planejamento da permacultura, conhecimentos sobre solos e o cultivo de alimentos, bem como o entendimento sobre como as energias fluem na paisagem.
O terceiro estágio insere o humano atual dentro de toda sua cultura de infraestrutura desenvolvida no contexto da paisagem, seja ela rural ou urbana, considerando o abrigo, o reconhecimento de riscos e a construção de relacionamentos sociais.
O quadro a seguir apresenta a carga horária e os temas e subtemas relacionados a cada estágio.
Temas | Subtemas abordados | Carga horária |
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PRIMEIRO ESTÁGIO – [RE]CONEXÃO COM A NATUREZA | ||
O que é permacultura e qual é a sua história? | Por que Permacultura? Resumo do PDC Programação do curso Forma de funcionamento | 4 |
Éticas e princípios de planejamento | As três éticas da permacultura Os princípios de planejamento | 4 |
Fundamentos de ecologia | Visão global: geomorfologia, climas e biomas associados Relações ecológicas Ecologia florestal e sucessão ecológica Reciclagem e compostagem | 4 |
Padrões naturais | Tipos Funções Percepção Interpretação Aplicação | 4 |
Leitura da paisagem | Insolação Ventos Curva-chave Estratégias em diferentes climas | 4 |
SEGUNDO ESTÁGIO – MANEJO COM A NATUREZA | ||
Método de planejamento do espaço | Setores Zonas Análise de elementos Localização relativa | 4 |
Solos | Características Importância Identificação Manejo ecológico | 4 |
Ecologia cultivada | Tipos de agroecossistemas Estratégias de cultivos Animais como elementos Plantas alimentícias não convencionais ou plantas da biodiversidade Plantas medicinais e seus usos | 8 |
Água | O ciclo e distribuição da água Água como elemento na paisagem Águas no espaço de planejamento e estratégias de uso Manutenção da qualidade Tecnologias apropriadas ao uso | 4 |
Energia | Percepção na paisagem e no sistema planejado Potenciais de aproveitamento Tecnologias apropriadas ao aproveitamento | 4 |
TERCEIRO ESTÁGIO – HUMANOS NA PAISAGEM | ||
Permacultura urbana | Planejamento em pequenos espaços Zonas energéticas urbanas Organização comunitária | 4 |
Arquitetura e permacultura | Conceitos fundamentais Cultura e paisagem Conforto ambiental e estratégias bioclimáticas Projeto e sistemas construtivos Técnicas de bioconstrução | 4 |
Planejamento para eventos extremos | O que são eventos extremos? Níveis de risco Planejamento de prevenção Planejamento de remediação | 4 |
Estruturas invisíveis | Compreensão das estruturas biológicas, culturais, econômicas e sociais e seus impactos Autorregulação contínua Planejamento permacultural pessoal Ampliação para uma perspectiva não especista de animais | 4 |
Projeto final | Diretrizes Concepção Desenvolvimento Apresentação | 12 |