Importância
A arquitetura se caracteriza por planejar abrigos, integrando ao lugar ambientes que respondam às necessidades básicas das pessoas: de espaço e necessidades fisiológicas e emocionais. Estes abrigos atendem demandas variadas, podem ser local de moradia, trabalho, serviços e devem proporcionar condições de desenvolver as atividades humanas com conforto, segurança e salubridade, além de responder, também, a criação de identidades culturais. Compreendidos na Permacultura como Zona Zero, os abrigos concentram atividades e fluxos intensos, seu posicionamento nos sítios define boa parte do arranjo das outras atividades desenvolvidas no lugar, as Zonas 1 e subsequentes, a partir da eficiência energética de sua implantação e de suas aberturas. Em sua materialidade embarca grande quantidade de energia, em insumos e processos, que impactam fortemente o ambiente natural e as pessoas, em todo o ciclo de vida da construção, local e globalmente, sendo, portanto, sua concepção, um elemento-chave na Permacultura.
Objetivo
O objetivo desta aula é construir um universo de conhecimento relevante sobre a moradia, na perspectiva da Permacultura. A partir de um nivelamento inicial instigador, elaborar, conjuntamente com o grupo participante, um painel com toda a complexidade das características, necessidades e funções dos abrigos humanos. Tecer em conjunto requisitos de espacialidade, ambiência, estabilidade, estanqueidade e identidade cultural, em observação e adequação ao contexto local. Estimular os participantes a tomar decisões a partir da leitura do lugar, da reflexão inspirada na visão sistêmica, na busca da eficiência energética, especialmente pela atualização dos modos tradicionais e experimentais de produção da arquitetura, compreendidos como mais resilientes e apropriados.
Conteúdo mínimo
Arquitetura e sua interface com o lugar e a permacultura. Necessidades humanas e as funções de seus habitats. Características dos habitats humanos, de modo a responder pelas necessidades dos indivíduos e da regeneração ambiental. Atualização técnica da arquitetura tradicional e experimental.
Metodologia
Na temática da Arquitetura e Permacultura procura-se proporcionar um nivelamento sobre o tema construção de abrigos resilientes e estimular a inteligência coletiva dos participantes, no sentido de construir um conteúdo potencializado, a partir da bagagem de conhecimento do grupo, em sinergia.
Em um primeiro momento do nivelamento propõe-se uma exposição de base teórica instigadora, com a abrangência necessária para a compreensão da natureza e do campo da Arquitetura. Esta exposição se desenvolve observando especialmente os modos tradicionais, experimentais e de busca de resiliência e impacto positivo ao lugar, em suas relações ecossistêmicas.
Num segundo momento, segue-se com intermédio da dinâmica World Café (Café do Mundo) com grupos ancorando trocas intuitivas e racionalizadas sobre temas relevantes. Estas trocas buscam a construção de um aprendizado referente às características, funções e necessidades da moradia, como espacialidade, ambiência passiva, estabilidade e materialidade racionalizada, interfaces ecossistêmicas e identidade cultural. Esta atividade, portanto, visa a criatividade coletiva na busca de insights a partir das trocas sistematizadas entre os participantes, dinamizando um conteúdo mais rico e complexo, elaborado sinergeticamente.
Por último, é desenvolvida uma atividade prática conforme o perfil do grupo e disponibilidade de acesso às obras de interesse (arquitetura tradicional/ bioconstrução), por meio de visita técnico-pedagógica ou de execução ilustrativa de técnicas, oportunizando a experimentação prática com materiais naturais como a terra crua ou o bambu.
Exposição
60 min
Exposição oral com apoio de recurso audiovisual
Arquitetura como processo decisório de materialização dos abrigos humanos , em resposta às suas necessidades espaciais, de conforto e proteção.
A partir de bibliografia clássica sobre o tema, explora-se o arquétipo do abrigo, a casa, como a arquitetura essencial do ser humano, assim como as características históricas relativas à sua metamorfose, de elemento integrado à natureza, passando por desconexão com o entorno até um recente redirecionamento para uma abordagem ecológica. Por esta via, busca-se reforçar a ideia da concepção arquitetônica pelo dialogo da intuição com a tecnologia, de modo circular, lapidando intuições num movimento dialético junto a filtros tecnológicos no caminho da verificação e validação das hipóteses (croquis).
Posicionada como Zona 0 em relação aos fluxos de circulação de pessoas, seu planejamento deve observar os 12 princípios de planejamento da permacultura, como apresentado no tema Arquitetura e permacultura pelas colega Soraya, Júlia e Carolina. Além disto, perseguir o viés do bioregionalismo e das soluções baseadas na natureza apreendidas no estudo dos padrões naturais e do fazer histórico, que, por milhares de anos, empiricamente aprimora modos de produção local, com destaque ao uso da terra crua, de estrutura de madeira e de bambu.
O conteúdo deve, ainda, proporcionar reflexão sobre usos essências do espaço, como a ancestralidade da centralidade do elemento fogo nos assentamentos humanos ou sobre como milenarmente evoluímos em responder a percepção de nossas carências de suporte para um grau mínimo de infraestrutura de conforto físico e emocional, até respondermos as mesmas questões hoje, com toda perspectiva tecnológica da formação da civilização ocidental.
Primordialmente adotávamos materiais disponíveis no entorno imediato ao local do assentamento humano. Após a revolução industrial passamos a adotar materiais preprocessados e direcionados às nossas demandas urbanas, de adensamento e concentração de estruturas físicas e pela perda e alienação em relação ao saber fazer construtivo tradicional. Isso limitou a produção do habitat a disponibilidades de recursos imediatos, passando nossas escolhas a serem mediadas pelo que Milton Santos chama de meio técnico-científico informacional, ou seja, os elementos industrializados componíveis, como blocos de concreto, telhas de fibrocimento e janelas metálicas, que por sua acessibilidade no mercado, torna-se a resposta instintiva contemporânea.
Por outro lado, integramos, como seres pensantes, outros sistemas vivos ou em comunidades de organismos, e estas também podem ser representadas por um sistema social como família, escola, cidade – ecossistemas, ou melhor, sistemas cujas estruturas específicas resultam das interações e interdependências de suas partes (Ferry, 1994). Ou seja, ao buscarmos a arquitetura alinhada à visão da Permacultura, temos que compreender que a sociedade deve refletir sobre os impactos de sua ocupação na Terra. Nossa civilização se acostumou a desfrutar e exaurir o que o ambiente generosamente proporciona: o ar, a água, a terra, a diversidade de espécies, o clima e tudo o que daí provém, gerando pressão desproporcional à sua capacidade de resiliência e regeneração. Daí a importância em termos a “percepção do lugar” como um conjunto de padrões e sistemas interdependentes, “conhecer” o lugar numa estrutura íntima e profunda com base nos padrões, forças e energias existentes. Os padrões e sistemas desenvolvem um retrato específico do lugar A dinâmica do local revela dados tangíveis que são informação generativa da arquitetura” (WAHL, 2016). O design regenerativo procura construir, em vez de reduzir, o capital social e natural no lugar.
Outro conceito importante relacionado à Arquitetura em interface à Permacultura é Emergia, que a vem a ser “toda energia necessária para um ecossistema produzir um recurso” (Odum, 1986). Compreende a energia abarcada em todo processo da execução e uso das construções. O padrão de consumo dos moradores, a ciclagem de água e de resíduos e a geração de energia das residências também participam fortemente de sua “pegada ecológica”, durante o ciclo de vida das residências.
Dinâmicas
World café
180 min
Após a exposição com o propósito de instigar a reflexão, inicia-se o World Café, uma dinâmica que busca fomentar, a partir da criatividade coletiva, a inteligência em diálogos em rede colaborativa e desenvolver debates sobre questões relevantes ancoradas por subgrupos em circuito de trocas e construída pela costura de aportes e sínteses afloradas no processo.
O desafio ao grupo deve ser: a partir da palavra-chave “moradia”, quais os temas que estruturam os principais aspectos necessários para uma compreensão mais ampla, a ser tecida conjuntamente. Estes tópicos irão compor o foco de cada mesa temática, que serão suporte à construção do universo da moradia resiliente e regenerativa. Conforme o número de participantes haverá um número de grupos proporcional, buscando uma média de 6 participantes por grupo, resultando 4 ou 5 mesas.
Os temas, por mesas, podem ser a Zona -1 (o ser humano) como um primeiro tópico e uma divisão em outros 3 ou 4 temas principais relativos a moradia como Zona 0. Notoriamente, temas arquitetônicos da moradia são os que tangem a espacialidade: os cômodos e suas relações, a ambiência: as condições ambientais desejáveis para os ambientes, os fluxos previstos, como os de pessoas, água, energia, alimentos e outros, assim como a materialidade da casa: as adequações de materiais e sistemas construtivos.
Cada grupo ancora um dos temas. Os anfitriões do debate sobre cada um dos temas terão um período inicial, que pode ser entre 20 ou 30 minutos, para organizar as idéias iniciais, a partir de uma questão geradora em uma folha de papel tamanho A0, sobre uma mesa com lápis e canetas coloridas. A partir desta primeira troca, em períodos de 20 ou 30 minutos, parte do grupo irá se revezando entre as outras mesas temáticas de maneira que sempre haja um pequeno grupo inicial, 2 ou 3 pessoas, que irão fomentar as trocas com os colegas. Simultaneamente os colegas irão colaborar com o tema da mesa, e organizar a relatoria destas articulações, e assim segue, em rodízio, proporcionando uma participação de todos em todos os temas.
As questões tratadas devem ser organizadas a partir da reflexão sobre a Zona -1 (o ser humano) e pela busca da compreensão das necessidades, funções e características do abrigo humano, a Zona 0, em todas as suas interfaces.
Práticas
4h
Instalação pedagógica 1: Visita técnica a um patrimônio arquitetônico, colonial ou eclético.
De acordo com a disponibilidade da Instituição organizadora, é proposto uma atividade de visita técnica em uma obra original da arquitetura tradicional brasileira. Nesta visita deverá ser observado a data da construção, as características da obra, os materiais de sua fundação, estrutura, alvenarias e revestimentos. A distribuição dos cômodos e suas relações, os modos de captar a luz solar e os ventos dominantes, a posição das aberturas, o pé direito, o tipo de cobertura, o estado de conservação geral e tudo mais que for possível observar. Se houver algum morador, ou conhecedor da história da construção, é de extrema relevância a conversa sobre as condições da execução e de preservação deste patrimônio.
INSTALAÇÃO PEDAGÓGICA 2: OFICINA DE INTRODUÇÃO À BIOCONSTRUÇÃO (TERRA CRUA OU BAMBU)
Uma instalação pedagógica compreendendo alguma técnica de bioconstrução pode ser realizada, de acordo com o contexto de organização da aula. Uma experiência de execução prática de técnicas construtivas tradicionais é bastante produtiva como aproximação com a realidade física do material tradicional e seus modos de processamento. No caso, da terra crua, base construtiva da arquitetura brasileira, a preparação anterior a dinâmica vai exigir tarefas específicas, ou seja, caso se proponha a experimentar a produção de adobes, haverá a demanda de formas para os tijolos ou, se a opção for a taipa de sopapo (pau-a-pique), demandará uma estrutura prévia de bambu ou madeira para possibilitar a atividade de barreamento. Ou ainda um taipal, formas de madeira para a confecção de paredes de terra compactada, a partir da técnica da taipa.
Outra possibilidade é a apresentar para o universo da técnica do bambu. A partir de um nivelamento sintético sobre a história da planta e seus usos, seu manejo, colheita e tratamentos, passando pela manipulação do material. Este contato prático pode se dar por meio de tratamento, cortes, furações e execução de algum elemento de bambu e pode ser o treino sobre algum sistema de encaixe, ou a execução de uma peça simples. Ou ainda, conforme a disponibilidade da preparação anterior, a montagem de um domo geodésico de bambu, com sistema de conectores previamente produzidos, de PVC ou outro material.
Conteúdo complementar
Vídeos
- Assista à playlist Arquitetura e permacultura no canal da Rede NEPerma Brasil.
Leitura
- Café to go! (Café para Viagem!) – Um guia simplificado para auxiliar os diálogos durante um World Café…
- Permaculture: a designer’s manual.
- Curso de bioconstrução
Aula
- Acesse o conteúdo da aula Arquitetura e Permacultura.
Referências sugeridas
A casa ecológica. Ideias práticas para um lar ecológico e saudável. Barcelona: Gustavo Gili 2011.
ADDIS, Bill. Reúso de materiais e elementos de construção. São Paulo: Oficina de textos, 2010
ALLEN, Eduard. La casa outra. La autoconstruccion segund el MIT. Barcelona: Gustavo Gili 1978
BARDOU, Patrick. Sol y arquitectura. Barcelona:Gustavo Gilli, 1980
Cobijo. Madrid: H. Blume Ediciones, 1979
Des architectures de terre. Paris: Centre Georges Pompidou, 1982 (Catalogo).
FERRY, Luc. A nova ordem ecológica: A árvore o animal e o homem São Paulo: Ed. Ensaio, 2009
MINGUET, Josep Maria. Low Tech Archicteture. Barcelona: Instituto Monza Ediciones, 2010
NOVAES, Sylvia. et alii. Habitações indígenas. São Paulo: Nobel/Editora USP, 1983
RAPOPORT, Amos. Vivienda y Cultura. Barcelona: Gustavo Gili, 1972.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo: razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1999
VASCONCELOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: Sistemas construtivos. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1970.
WAHL, Daniel Christian. Design de culturas regenerativas. Rio de Janeiro: Bambual editora, 2020
WEIMER, Günter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HAYES, Samantha; et alli. Enabling Biomimetic Place-Based Design at Scale.
VAHAN, Agopyan, O desafio da sustentabilidade na construção civil.- São Paulo: Blucher, 2011.