Ecologia cultivada


Importância

Desde o terceiro princípio de planejamento “Obtenha rendimento”, que nos ensina que “saco vazio não para em pé”, passando pelos demais princípios até os cultivos rentáveis ou não, tão pretensiosos como os da Zona 4, precisamos comer para viver, plantar e criar para comer, construir, nos aquecer, nos tratar e nos vestir.

Objetivo

Conhecer uma grande quantidade de técnicas de produção primária de alimentos, remédios, fibras e estruturas derivadas de plantas, fungos e animais, feitas e usadas de forma ecológica pelos povos tradicionais e por permacultores. Associar essas técnicas aos diferentes contextos em relação à cultura, paisagem, clima e relevo.

Conteúdo mínimo

Técnicas sustentáveis de produção de alimentos que se conformarão como elementos na paisagem, como, por exemplo:

  • Zona 1 – Horta (mandala, espiral e em nível), compostagem, minhocário, palhada e serrapilheira (mulch), treliças e trepadeiras, pequenos animais (coelhos, chinchilas, codornas), fungos alimentares e cogumelos em cultivo indoor, plantas alimentícias não convencionais (PANC), plantas medicinais e da biodiversidade, espécies frutíferas de uso corriqueiro, círculos de bananeiras, telhados verdes.
  • Zona 2 – Pomar familiar; aves (patos, gansos e galinhas), meliponicultura (abelhas nativas sem ferrão) e cultivos aquáticos (aquaponia e microtanques).
  • Zona 3 – Sistemas agrossilvipastoris (SAF) intensivos, manejo de plantas e criação de animais silvestres, pastoreio racional Voisin (PRV) ou rotativo, apicultura racional, cogumelos em toras e em serrapilheira, pomares em grande escala, cultivos anuais e lavouras (em plantio direto). Cultivos aquáticos (chinampas, rizipiscicultura).
  • Zona 4 – SAF com policultivos multiestratos (árvores, palmeiras, arbustos, ervas etc.) para serrapilheira, lenha, resinas, frutos, fibras, brotos e palmitos etc. Apicultura. Cultivos aquáticos: lagoas, rios, estuários, fazendas marinhas.
  • Zona 5 – Extrativismo eventual de matrizes (sementes, mudas e serrapilheira), inspiração em florestas permanentes, recuperação de áreas degradadas e o conceito de “Não sabe o que fazer: não faça nada”. Proteção de nascentes.

Quais desses elementos podem servir para fazer conexões entre diferentes zonas?

Relação entre esses conteúdos aos diferentes contextos e realidades, como, por exemplo, às condições – climáticas e de paisagem típicas – de cada bioma brasileiro (Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Floresta Atlântica quente e fria, Pampa) e global (desertos, regiões polares, tundra, montanhas etc.), e em relação à leitura da paisagem, aos diferentes climas e relevos.

Metodologia

O conteúdo de “Ecologia cultivada” pode ser trabalhado exaustivamente ao longo do CPP, conectando a temática a outras e fortalecendo o pensamento sistêmico. No CPP da UFSC, trabalhamos a temática em pelo menos dois e em até seis períodos de quatro horas/aula cada, envolvendo até seis instrutores, ocorrendo, em geral, nesta ordem:

  1. Uma visita à Fazenda Experimental da UFSC, onde os estudantes têm uma introdução e veem aplicadas algumas técnicas como sistemas agroflorestais (SAF), sistema de pastoreio racional Voisin (PRV) aplicado a ovinos e bovinos, criação de aves em sistemas semi-intensivos com piquetes, trator de galinha e horta mandala com túnel para floresta, bambus e seus manejos, além de conhecer lavouras convencionais para comparações.
  2. Aula teórica na qual são apresentadas e expostas todas as demais técnicas listadas nos conteúdos. Em seguida, os alunos são separados em grupos com o objetivo de que cada grupo desenvolva e apresente um trabalho sobre um planejamento de cultivos e criações considerando os contextos em cada bioma brasileiro (essa tarefa é solicitada na aula anterior).
  3. Aula sobre consciência alimentar e plantas da biodiversidade ou plantas alimentícias não convencionais (PANC). Nessa aula é possível desenvolver algumas práticas, desde o reconhecimento de plantas até a construção de canteiros.
  4. Aula sobre a história das plantas bioativas ou medicinais e seus usos em diferentes povos e culturas, com uma visita ao Horto Didático de Plantas Medicinais do Hospital Universitário, onde é possível desenvolver alguma prática.
  5. Uma visita técnica com duração de um dia ou dois períodos a uma família de permacultores, que vive de sua produção orgânica. Na UFSC geralmente visitamos a Estação de Permacultura Moinhos de Luz em Rio Furtuna/SC e o Sítio da Família Silva, no município de Anitápolis/SC, onde são apresentados os zoneamentos energéticos das propriedades e todas as técnicas de cultivo e de criação dentro de seu contexto. Nessas visitas sempre são desenvolvidas atividades práticas de aprendizado e socialização da turma.
  6. Uma visita a uma família ou ecovila com perfil neorrural. No entorno de Florianópolis existem muitas experiências como essas. Essa visita é extremamente importante para públicos urbanos, pois permite mostrar pessoas que migraram da cidade para o campo motivadas pela permacultura.

Exposição

2 horas

No caso da visita à fazenda da UFSC, na chegada, os estudantes são organizados em grupos, que podem ser os mesmos dos projetos finais ou outros menores, de forma que cada grupo receba um contexto completamente distinto para realizar um planejamento de produção de alimentos (ver tarefa a seguir).

Após a visita à fazenda ou a algum outro local onde várias técnicas foram apresentadas, são expostos de forma simples e teórica os demais conteúdos que não foram vistos em campo. Isso é necessário para que os participantes possam buscar mais informações e detalhes a respeito dessas outras técnicas.

Cada grupo recebe uma lista de todas as técnicas sustentáveis de produção de alimentos, conforme aquelas apresentadas anteriormente para cada zona energética.

A ideia de receberem essa lista previamente, com um trabalho para desenvolverem para a aula seguinte, é fazê-los conhecer previamente as técnicas por conta própria, pois terão que buscá-las para utilizarem em seus projetos, como será detalhado a seguir (na tarefa).

Então, para finalizar, cada grupo recebe uma folha com uma descrição de uma propriedade típica de um bioma diferente. Essa propriedade deve ser planejada como tarefa para a aula seguinte, ao final da exposição das diferentes técnicas de produção de alimentos.

Diferentes técnicas de produção de alimentos

3 horas

Uma aula expositiva, após a visita, inicia com uma provocação breve e segue com exposição de slides. No momento de provocação inicial, solicita-se um exercício em duplas (10 minutos) em que cada grupo deve:

  1. listar os produtos que consome (alimentos, vestuário, moradia, mobiliário, utilitário, decoração) que sejam provenientes de cultivos e criações;
  2. pensar em funções, necessidades e características de cada produto (não precisam escrever para não tomar muito tempo);
  3. classificar em zonas energéticas e fazer as conexões entre elas.

Em seguida são brevemente apresentados alguns conceitos de ancoragem à ecologia cultivada que já foram vistos nos conteúdos anteriores, a saber (15 min):

  • Ecossistema;
  • Agroecossistema;
  • Sucessão ecológica;
  • Ciclos dos nutrientes: ex.: fixação de nitrogênio e leguminosas, ciclo do carbono e decomposição etc.;
  • Ciclo da água;
  • Ciclo lunar;
  • Formação dos solos;
  • Relação entre espécies, relações ecológicas, alelopatia;
  • Desconstrução de conceitos, ex.: pragas e doenças;
  • Trofobiose;
  • Alopatia e homeopatia; e
  • Antibiótico e probiótico.

Em seguida inicia-se a apresentação (aproximadamente 60 minutos) das técnicas através de slides e/ou fotos com os nomes das técnicas e descrições com palavras-chaves que podem ser apresentadas de acordo com as zonas onde possivelmente seriam inseridas.

Após a apresentação teórica das técnicas, os estudantes realizam a apresentação dos trabalhos em grupos de planejamento produtivo para diferentes biomas. É possível dar mais 15 minutos para cada grupo atualizar seu trabalho com alguma das técnicas que foram apresentadas em aula e que eles não haviam colocado em seu projeto.

Trabalho em grupos: Planejamento produtivo para diferentes biomas

2 h 15 min

A atividade compreende um planejamento prévio (fora de sala, em casa, em tempo à parte) que leva aproximadamente 120 minutos por grupo e uma apresentação dos resultados que leva de 10 a 15 minutos para cada grupo.

Dica: Deixe grupo escolher a melhor forma de apresentar seu planejamento produtivo, seja por slides, fotos, cartazes, desenhos, etc.

A tarefa proposta compreende desenvolver o planejamento em relação à proposição de técnicas vistas em aula para uma propriedade a seguir, considerando:

  • Setores conforme a realidade do local;
  • Técnicas de produção de alimentos para cada zona, com elementos (características, necessidades, funções) e conexões entre elementos e zonas.

Assim, cada grupo deverá fazer um planejamento produtivo para o primeiro ano (tempo zero), 2 anos, 5 anos, 10 anos e 20 anos.

Então, são passados para os grupos os exemplos de propriedades a serem estudadas. Para isso é preciso buscar unidades de tamanhos típicos dos módulos fiscais unifamiliares de cada região em condições que sejam realistas e apresentem algumas dificuldades para cada grupo. Para cada propriedade é apresentada a lista de informações e uma foto aérea com a demarcação do terreno, além de outras fotos de detalhes da paisagem.

Dica: Utilize imagens de programas de navegação como o Google Earth ou o Bing. Obtenha uma cena da tela usando a tecla “printscreen” e insira no texto com a atividade a ser desenvolvida.

Na UFSC propomos 4 contextos, sendo um no bioma Amazônico, outro na Caatinga, Cerrado e Floresta Atlântica. As informações para o desenvolvimento da atividade podem ser obtidas aqui. Além desses biomas brasileiros, poderiam ser apresentadas propriedades em climas mais extremos como polares e desérticos, entre outros.

Ao final da apresentação desse trabalho, explica-se que o mesmo tipo de abordagem sobre os sistemas produtivos deverá ser realizado no projeto final do curso.

Dinâmicas

Monocultivo não para em pé

10 min

Essa dinâmica é “bem dinâmica” e envolve o toque, a acolhida e, fundamentalmente, a união.

Prepare cartões em número maior que o de participantes no momento (uns quatro a mais). Nesses cartões, insira o nome de duas árvores, sendo um nome para uma espécie silvestre e outro para uma espécie exótica e plantada em regime de monocultivo em sua região. Para grupos de 20 pessoas, escolha umas cinco espécies de árvores silvestres e uma de exótica. Preencha os cartões com esses dois nomes e sequencie-os de modo a fazer com que cartões que contenham as mesmas árvores fiquem intercalados por quatro outros cartões.

Cartões com as espécies de árvores em sequência de aplicação. Fonte: Arthur Nanni.

Faça uma roda bem fechada e solicite que os participantes entrelacem seus braços. Posicione-se no centro da roda e informe como funcionará a brincadeira, com as falas:

  • Distribuirei cartões que contêm o nome de duas árvores. Ao receber o seu cartão, olhe e memorize os nomes dessas duas árvores e não deixe seu vizinho ver esses nomes, tampouco conte para outros. Guarde o cartão em seu bolso.
  • Agora que todos possuem seus cartões, lembre-se de que cada um de vocês passou a ser duas árvores.

Pegue um cartão para você, memorize suas espécies e entre na roda com os outros. Mais regras do jogo serão cantadas:

  • Grupo, agora a coisa funciona da seguinte forma: direi o nome de uma árvore, e aqueles que a tiverem deverão tirar os dois pés do chão.
  • Os parceiros que estão ao lado de quem tirar os pés do chão deverão fazer força para segurar e o restante do conjunto também. Não pode deixar ninguém cair!

Terminada essa parte sobre como funciona a brincadeira, chame uma espécie silvestre atrás da outra e acompanhe as reações para ver se o grupo está conseguindo manter os que tiram os dois pés do chão. Após esgotar as espécies silvestres, chame a exótica. Nesse ponto, como todos os cartões terão essa espécie exótica, todos tentarão tirar os pés do chão e o círculo irá colapsar, mostrando que monocultivo não se mantém sozinho ou “não para em pé”.

Dinâmica “Monocultivo não para em pé”, no projeto PermaChico em Almirante Tamandaré/PR, 2016 Foto: Marcelo Venturi.

Práticas

Muitas práticas são possíveis sob este conteúdo, algumas já foram ou serão apresentadas em outros conteúdos, pela possibilidade de serem aplicadas em mais de um assunto.

Listamos aqui alguns exemplos de práticas possíveis e descrevemos um número menor a seguir, principalmente as que acreditamos necessitarem de melhor descrição:

  • Traçando uma curva de nível em campo com pé-de-galinha;
  • Traçando uma vala de infiltração/escoamento com o pé-de-galinha;
  • Construção de canteiro de palha instantâneo;
  • Construção de espiral de ervas;
  • Construção e manutenção de composteira;
  • Construção e manutenção de minhocário;
  • Construção e manutenção de trator de galinha (pode ser feito como tarefa em grupo também);
  • Implantação e manutenção de SAF; e
  • Instalações, manejos e manutenções de sistemas de criação e cultivos diversos.

Construção de canteiro instantâneo com palha

30 min

Para esta prática será necessário reunir previamente todos os materiais:

  • Montes de palha seca, suficiente para cobrir todos os canteiros com camadas bem espessas, em torno de 30 cm;
  • Quantidade de composto orgânico ou solo fértil ou a mistura de ambos;
  • Galhos, troncos e/ou tábuas para as bordas;
  • Mudas de hortaliças diversas, estacas e sementes das que não necessitam de preparo prévio; e
  • Água para irrigação, regadores, mangueiras etc.

Considerando que estamos no Brasil, em clima tropical e subtropical (situação da UFSC), em que a natureza muito raramente congela os solos, não se justifica o seu revolvimento. Uma forma rápida de cultivo e adequada ao nosso clima é realizá-lo diretamente junto com a palhada. Isso imita o que ocorre na natureza, controlando brotações espontâneas, além de ajudar a manter a umidade adequada do solo ou a aeração e descompactação em locais muito úmidos.

Para conseguir grande quantidade de palha ou serrapilheira, pode-se recolhê-las em restos de lavouras ou sob árvores, ou em áreas urbanas solicitando doações em mercados e nas Centrais de Abastecimento (CEASA), onde chegam grandes quantidades de palha diariamente para proteger certos produtos agrícolas.

Previamente pode-se roçar e limpar o local. Primeiramente, com alguns galhos ou troncos, delimitam-se os desenhos dos canteiros. Em seguida limpam-se os caminhos retirando a camada de solo mais fértil e jogando-as no canteiro. Os caminhos podem ser preenchidos com palha ou cepilho, que após se decomporem podem ser jogados como adubo novamente sobre os canteiros e repostos nos caminhos.

Em seguida coloca-se nos canteiros a palha/serrapilheira formando uma volumosa camada, algo em torno de 30 cm de espessura. Nos locais onde se deseja fazer os plantios, abre-se a palha com as mãos formando espaços cônicos, abertos em cima, que se preenchem com o composto orgânico. O plantio se realiza diretamente no composto. Em seguida resta somente irrigar todas as mudas, ação que deve ser repetida diariamente.

Se for uma unidade familiar é importante considerar o espaço de 1m2 de horta/pessoa/semana, para garantir a média de subsistência de vegetais olerícolas. Seria interessante um novo pedaço de canteiro ser plantado semanalmente para garantir as colheitas também semanais num futuro breve. Considerando o tempo de certas culturas, pode-se ter espaço para produzir para dois a cinco meses. Como exemplo de exercício, podemos fazer apenas um pequeno trecho para fixar a técnica e a função de cada elemento neste sistema.

Canteiro elevado de palha na estação permacultural Yvyporã, 2013. Foto: Marcelo Venturi.

Atividade no EaD

Sobre SAF

A partir dos materiais disponibilizados, solicite ao aluno a elaboração de um texto que explique o que é um Sistema Agroflorestal (SAF), apresentando suas principais características.

Seguem abaixo sugestões de itens a serem considerados na resposta:

  1. O que é preciso para um sistema ser considerado um SAF.
  2. Métodos de cultivo.
  3. Tempo de plantio.
  4. Importância ecológica.
  5. Espécies possíveis de serem cultivadas em sua região.

Sobre técnicas e culturas para diferentes contextos

Após apresentadas todas as técnicas produtivas listadas no conteúdo, solicite aos alunos que organizem quais técnicas seriam adequadas para cada um dos exemplos dos biomas sugeridos no “Trabalho em grupos: Planejamento produtivo para diferentes biomas” e que justifiquem por que usar ou não usar cada uma. Lembrar que várias técnicas seriam adequadas em diferentes contextos.

Assim, espera-se que os estudantes façam uma tabela com cada um dos exemplos de propriedade e que, ao lado, listem as técnicas e justificativas para utilizá-las ou não naquele contexto.

Conteúdo complementar

Vídeos

Leitura

  • O Renascer da Agricultura, por Ernest Götsch.

  • Introdução à Permacultura – Panfletos da série Curso de Design em Permacultura:
    • Permacultura em paisagens úmidas. p. 11-34
    • Permacultura em paisagens áridas. p. 35-43
    • Permacultura em ilhas baixas. p. 44-48
    • Permacultura em ilhas altas. p. 49-50
    • Permacultura em paisagens graníticas. p. 50-51
    • Técnicas de Permacultura. p. 83-106
    • Florestas em Permacultura. p. 107-122.

Aula

Referências sugeridas

INSTITUTO SOUZA CRUZ, Programa Hortas Escolares; LABENSRU / CCA / UFSC. Hortas Escolares: o ambiente horta escolar como espaço de aprendizagem no contexto do Ensino Fundamental. 2004. Disponível em: http://fazenda.ufsc.br/files/2011/11/Hortas-Escolares.rar. Acesso em: 14 ago. 2019.

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