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Organizado por Arthur Nanni
Texto original de Santos (2015) e trechos traduzidos de Holmgren (2007)
Na permacultura o planejamento das paisagens é realizado a partir de uma base conceitual fundamentada na ética e em doze princípios de planejamento. Essa base foi constantemente reconstruída ao longo da história da permacultura, inspirada em exemplos de povos originários e comunidades tradicionais pré-industriais, bem como em iniciativas e experiências de permacultores que já se compreendem em uma era pós-industrial e de baixa energia.
Ética
Holmgren (2013), coloca que a ética da permacultura é fruto de pesquisas feitas sobre comunidades humanas que viveram um longo tempo em equilíbrio com o seu ambiente. Isso não nega a importância do conhecimento adquirido pela humanidade na modernidade. Porém, para a transição para um futuro mais sustentável e de baixa energia, necessitamos considerar também valores e conceitos que estão fora da norma civilizatória atual, pautada na exploração da natureza. Com isso, a ética fornece caminhos para qualquer reflexão ou ação, sempre embasada em três pilares:
- Cuidar da Terra – que atenta para um olhar holístico da existência da vida no Planeta em sua totalidade, onde todos os seres e todos os elementos são importantes e interdependentes. Remete a olhar a Terra como local de habitação. “Significa cuidar da casa, do lugar, do território, como entendido pelas culturas primitivas e, mais recentemente, pelo conceito de biorregionalismo” (HOLMGREN, 2013, p.59).
- Cuidar das pessoas – é necessário cuidarmos da nossa saúde física e mental e dos que estão ao nosso redor. “Os limites para as melhorias materiais são tanto estruturais e internos a nós mesmos, bem como externos, políticos e ambientais” (HOLMGREN, 2013, p.59). Na visão da permacultura é necessário analisar-se e analisar as pessoas ao redor e refletir o que de fato traz bem-estar a todos. No modelo dominante de produção atual, temos o poder de compra como indicador de bem-estar social. A permacultura propõe irmos além, incentivando as pessoas e grupos a refletir sobre o que de fato elas precisam para ter uma vida saudável, tanto no nível físico quanto no emocional e que reanalisem a questão do consumo e do desejo de consumir.
- Cuidar do futuro – as produções na permacultura tendem muitas vezes a serem abundantes, mas a ideia não é acumular e sim compartilhar e trocar para que cada vez mais pessoas possam ter acesso. Passando pela reflexão ética que envolve os dois primeiros conceitos, a redução e limitação de consumo (Mollison, 1988) e o compartilhamento de excedentes (Holmgren, 2002) vêm como uma espécie de resultado que permite-nos pensar no futuro (Dixon, 2014; Harland, 2018; McKenzie e Lemos, 2008). “Ao pensar sobre o que é suficiente, devemos considerar as necessidades e os desejos que impelem o ganho material e também a capacidade da terra e das pessoas de suprir aquelas necessidades e vontades” (HOLMGREN, 2013, p.61). Quanto maior a acumulação de um lado, maior a escassez de outro. Quanto maior a partilha de excedentes, maior igualdade social e equilíbrio ecológico.
Nesse contexto, considera-se excedente não somente as produções, mas também o tempo. Visto que na permacultura a ideia é de que o trabalho braçal seja o mínimo possível, para que se tenha tempo de desenvolver outros tipos de trabalho e atividades. Holmgren, (2013, p.63) menciona que em muitas sociedades agrícolas, o plantio de árvores e florestas valiosas e de vida-longa tem sido uma maneira tradicional de redistribuir tempo e recursos excedentes para o benefício das gerações futuras e do próprio planeta. Mais nitidamente, sobretudo se o plantio for de frutíferas e árvores para extração de madeira.
Princípios de planejamento
Os doze princípios de planejamento permacultural, que devem sempre estar em concordância e guiado pela ética, foram desenvolvidos ao longo de mais de duas décadas e publicados em 2002 por David Holmgren através do livro “Permacultura: princípios e caminhos além da sustentabilidade”, publicado em português no Brasil em 2013. Segundo Holmgren (2013, p.12).

Os primeiros seis princípios consideram os sistemas de produção sob uma perspectiva de baixo para cima dos elementos, organismos e pessoas. Os demais seis enfatizam a perspectiva de cima para baixo dos padrões e relações que tendem a emergir por meio da auto-organização e coevolução dos ecossistemas.
Observe e interaja
“A beleza está nos olhos do observador”

O bom planejamento da paisagem depende de uma relação livre e harmônica entre a natureza e as pessoas, na qual a observação cuidadosa e interação atenta proporcionam a inspiração do planejamento, repertórios e padrões. Não é algo gerado isoladamente, mas por meio de uma interação contínua e recíproca com o objeto de observação.
A permacultura utiliza essas condições para desenvolver, de maneira consciente e contínua, sistemas de uso da terra e de vida que sustentem as pessoas em um futuro onde a energia será decrescente em relação aos dias atuais, pois não poderemos contar com fontes não-renováveis como o petróleo.
Em sociedades de caçadores-coletores e em sociedades agrícolas cuja produção era voltada ao consumo próprio, o ambiente natural atendia plenamente as demandas de consumo da espécie humana e das demais. Essa realidade mudou quando a densidade populacional aumentou e passou a se concentrar nas cidades, exigindo uma maior produtividade agrícola que ocasionou grandes e constantes aportes de mão de obra. Atualmente, a sociedade industrial depende de grandes e contínuos aportes de energia proveniente de combustíveis fósseis para prover seus alimentos, outros bens e serviços.
Permacultores se utilizam da observação cuidadosa e interação atenta para fazer uso mais efetivo das capacidades humanas e reduzir a dependência de alta tecnologia e de energias não-renováveis. Assim, deve-se observar o sistema todo – de cima para baixo, relacionando a interdependência dos objetos. A interação deve se dar de baixo para cima – focando pontos que podem influenciar na mudança do sistema todo. Por exemplo, em uma horta/roça algumas plantas que podem ser consideradas “pragas”, na verdade, podem estar indicando a falta ou excesso de algum nutriente no solo. Em vez de focar o trabalho na retirada dessas plantas, ou pior ainda no uso de herbicidas, pode-se tentar corrigir o solo com composto.
Mais do que a adoção e replicação de “soluções” que se mostraram satisfatórias, o foco deste princípio é principalmente facilitar a geração de pensamento de longo prazo para se criar soluções. No passado, foram a academia e a afluência urbana que toleraram e até mesmo apoiaram esse tipo de pensamento, enquanto a cultura agrária convencional, que se utiliza de muitos insumos químicos, o suprimiu de maneira cruel.
O provérbio “a beleza está nos olhos do observador” nos lembra que o processo de observação influencia a realidade e que devemos agir cautelosamente quanto a verdades e valores absolutos.
Capte e armazene energias
“Produza feno enquanto faz sol”

Vivemos em um mundo de riquezas sem precedentes resultantes da coleta dos enormes estoques de combustíveis fósseis criados pela Terra ao longo de bilhões de anos. Temos utilizado parte dessas riquezas para aumentar nossa colheita dos recursos renováveis da Terra em proporções insustentáveis. A maioria dos impactos adversos desta excessiva colheita ficará mais evidente, enquanto a disponibilidade de combustíveis fósseis for diminuindo. Em linguagem financeira, estamos consumindo o capital principal de forma tão irresponsável que levaria qualquer empresa à falência.
No atual estado da sociedade industrial, a questão energética é um ponto-chave a ser discutido e repensado. A permacultura considera que a sociedade precisa partir para um modo de produção de baixo consumo energético, principalmente externo. Isso perpassa pela questão do que se consome e do quanto e que tipo de energia foi utilizada na produção.
“Precisamos aprender como economizar e reinvestir a maioria da riqueza que estamos consumindo ou desperdiçando atualmente, de modo que nossos filhos e descendentes possam ter uma vida razoável.”
É necessário entender como a natureza capta e armazena energia para poder reconstruir o capital natural energético nas paisagens, nas regiões e microbacias, no ambiente doméstico, na cultura e pensar no seu uso apropriado. Não basta somente trocar o uso de combustíveis fósseis por energias renováveis, é necessário, antes, reavaliar o nível de consumo. Reduzir o consumo com produtos ou serviços que durem mais tempo e repensar a utilidade de cada coisa antes de consumir.
Conceitos inapropriados de riqueza nos levaram a ignorar oportunidades para capturar fluxos locais de formas renováveis e não-renováveis de energia. Identificar e atuar nessas oportunidades, pode suprir a energia com a qual poderemos nos manter plenamente, bem como nos proporcionar “renda” para nossas necessidades imediatas.
Algumas destas fontes de energia incluem o sol, vento e fluxos de escoamento superficial de água, recursos desperdiçados de atividades agrícolas, industriais e comerciais.
Os estoques mais importantes com valor futuro incluem solos férteis com alto teor de húmus, sistemas de vegetação perene – especialmente árvores, produção de alimentos e outros recursos úteis, corpos e tanques de água e edificações com utilização passiva da energia solar.
O provérbio “produza feno enquanto faz sol” nos faz lembrar que temos tempo limitado para captar e armazenar energia, antes que a abundância sazonal ou ocasional desapareça.
Obtenha rendimento
“Saco vazio não para em pé”

Além de pensar em soluções a longo prazo que melhorem as condições de vida no planeta, é necessário obter um rendimento a curto prazo. As necessidades humanas diárias de alimentação, abrigo, disponibilidade de água, precisam ser supridas.
“Em nossas práticas cotidianas, devemos desenhar sistemas e organizar nossas vidas de modo a obtermos rendimento através de meios que otimizem a potência de trabalho útil de tudo o que fazemos”.
Esse rendimento pode ser buscado de uma maneira que seja saudável para as pessoas envolvidas e em harmonia com a dinâmica natural local e regional. Para isso há alguns itens que podem ser considerados:
Conservar a energia no sistema – pensando a questão da água, por exemplo, pode se criar maneiras de se aproveitar a disponibilidade de água local através da captação de água da chuva, uso das águas provenientes do uso doméstico em banho e cozinha para nutrição de bananeiras através do sistema de tratamento de água com círculo de bananeiras. Em relação ao aquecimento de águas para banho ou pias, em locais ou períodos de frio intenso, pode-se utilizar calor solar ou calor produzido em fogão a lenha;
Produzir alimentos de base (bem-adaptados ao ambiente local) – é comum em diferentes tipos de ambientes que algumas espécies sejam bem-adaptadas, sejam elas nativas ou não, e produzam alimentos que podem servir como base da dieta da população local, como mandioca, batatas, milho, feijões e outros cereais silvestres da sua região;
Cultivo de espécies rústicas, que trazem rendimento e não precisam de muito cuidado, como forrageiras (para alimentação de animais e/ou uso na compostagem), plantas alimentícias espontâneas, algumas espécies medicinais e madeireiras;
Aumentar a fertilidade dos solos para uma maior produção de alimentos com melhor qualidade nutricional. Dentre os itens de consumo humano, os alimentos estão entre os mais primordiais. Investir em um solo fértil é investir em segurança alimentar.
Com os excedentes, pode-se pensar em alternativas de consumo ou de comercialização. Por exemplo, as árvores frutíferas costumam trazer uma abundância de frutificação em um período concentrado do ano. O beneficiamento destas frutas através do feitio de conservas, geleias, chás, frutas secas, sucos e polpas podem trazer um aproveitamento da produção por mais tempo e também uma diversidade maior de alimentos ao longo do ano. Esses excedentes, desde a fruta in natura, até os produtos beneficiados, também podem ser comercializados em forma de venda ou troca.
Assim como sugere Holmgren, “os excedentes e os excessos podem ser um incentivo para encontrar novos modos criativos de se obter um rendimento”.
Pratique a autorregulação e aceite retornos (feedbacks)
“As ações dos pais recaem sobre os filhos até a sétima geração”

A autorregulação é um dos objetivos do planejamento de um sistema, ainda que jamais seja alcançado. Como não temos controle dos inúmeros fatores que envolvem cada processo, por vezes são necessárias interferências ou manutenções.
A interação com a natureza pode fornecer conselhos positivos que contribuem para ampliação da produção ou conselhos negativos, que podem diminuir a produção, por algum motivo, evitando que o sistema todo entre em colapso. Quando uma população está construindo sua autossuficiência, ela está mais próxima de receber conselhos que são importantes para a humanidade como um todo, mas que devido ao estilo de vida da sociedade moderna, ficam ocultados para a maioria das pessoas, ou só ganham visibilidade quando ocorre uma catástrofe, ou um evento de grande proporção. Holmgren (2013) dá o exemplo do cultivo de um bosque para produção de lenha e consequentemente energia. Uma comunidade buscará utilizar a madeira de maneira adequada para que sempre haja lenha disponível. Já no modelo moderno, o consumidor de energia elétrica que é gerada a muitos quilômetros de distância, fornecida pelas empresas privadas e estatais, não consegue ter noção das consequências que esse sistema traz no curto, médio e longo prazos, como comunidades atingidas pelas barragens, desflorestação, diminuição da fauna, desequilíbrio de ecossistemas inteiros, que acabam por promover o êxodo rural, perda de saberes tradicionais, descontrole climático e perda da biodiversidade.
O objetivo usual de se projetar sistemas sustentáveis com risco zero de conselho negativo é como se tentar criar filhos sem exposição a riscos imunológicos e de acidentes; isso resulta em riscos mais graves no futuro. Fica claro que a ampla aceitação de riscos oriundos de conselho negativo tem que ser controlada pelas éticas e aplicados primeiramente a nós mesmos, famílias e comunidades (nessa ordem), em vez de externalizá-los como normalmente acontece nas economias de larga escala.
Um sistema composto de elementos autossuficientes e independentes é mais robusto para enfrentar turbulências. O emprego de variedades de plantas e raças de animais mais resistentes, semidomesticados e com capacidade de se reproduzirem, em vez de outras muito melhoradas e dependentes da tecnologia, é uma estratégia clássica da permacultura que exemplifica este princípio.
A economia globalizada dos dias atuais leva a uma instabilidade maior, onde os efeitos se propagam rapidamente em todo o mundo. Por outro lado, a reconstrução da autossuficiência, tanto no nível do elemento como no nível do sistema, aumenta a resiliência. Num mundo de energia decrescente, onde passaremos a depender apenas das energias renováveis, a autossuficiência será mais valorizada na medida em que a capacidade de fornecer insumos em grandes quantidades e de forma contínua diminuir e se reduzirem as economias de escala e de especialização.
A teoria de Gaia considera a Terra como um sistema autorregulado tal como um organismo vivo. Isso torna sua imagem adequada para representar este princípio.
Use e valorize os serviços e recursos renováveis
“Deixe a natureza seguir seu curso”

Do ponto de vista antropocêntrico, os recursos renováveis são aqueles que são renovados e repostos por processos naturais ao longo de uma nova geração, ou seja, na espécie humana seria algo com ciclo de uns 20 anos. Em linguagem financeira, recursos renováveis deveriam ser vistos como renda (juros do capital), enquanto recursos não-renováveis deveriam ser considerados como ativos financeiros (capital principal). Gastar nosso capital principal para viver o dia a dia é insustentável em qualquer língua.
Segundo Holmgren, o planejamento permacultural deve ter por objetivo fazer o melhor uso de recursos naturais renováveis para o manejo e a manutenção das produções, ainda que seja necessário lançar mão de alguns recursos não-renováveis no estabelecimento do sistema.
Os serviços renováveis (ou funções passivas) são aqueles que obtemos naturalmente de plantas, animais, solo e água, sem consumi-los. Por exemplo, quando usamos uma árvore para obter madeira estamos usando um recurso renovável, mas quando usamos a árvore para obtermos sombra e abrigo, desfrutamos dos benefícios da árvore viva, que não implicam consumo nem coleta de energia. Esse entendimento simples é óbvio, mas também poderoso no planejamento de sistemas onde funções muito simples se tornaram dependentes do uso não renovável e não sustentável de recursos.
No caso da sombra, quando plantamos árvores caducifólias próximas a uma edificação, diminuímos a demanda por energia. Isso ocorre porque no período de verão elas projetarão sombra na edificação, ajudando a manter o ambiente mais fresco e no inverno as folhas caem, proporcionando mais calor solar no ambiente no período frio. Assim, será menos necessário o uso de energia artificial para o controle térmico do ambiente.
Tanto nas comunidades ricas como nas pobres, o uso de dejetos humanos, como uma fonte renovável de fertilidade, após tornados inofensivos pelo serviço ecológico de micróbios em sistemas de compostagem, tal como o sanitário seco, é uma das aplicações mais importantes e universais deste princípio.
O provérbio “Deixe a natureza seguir seu curso” nos faz lembrar de outro aspecto deste princípio – o eficaz equilíbrio dinâmico que a natureza obteve em milhões de anos de evolução deve ser respeitado, seguido e copiado, para que nossa pegada ecológica não desestabilize o ótimo climático que vivemos.
Não produza desperdícios
“Não desperdice para que não lhe falte”
“Um ponto na hora certa economiza nove”

A minimização de desperdícios pode se dar através de cinco atitudes: recusar, reduzir, reaproveitar, reparar e reciclar. Vê-se que na sociedade moderna, o discurso ambiental é absorvido somente quando se vê nele uma possibilidade de criar mercados, com produtos e serviços com rotulagem “ambientalmente correta”. Nesse sentido as empresas pouco ou nada falam das quatro primeiras atitudes mencionadas e focam apenas na reciclagem, que sozinha não pode superar os problemas socioambientais gerados por uma civilização consumista.
Um bom exemplo a esse respeito são os produtos gerados com reciclagem de garrafas PET. O consumidor compra, considerando que está fazendo sua parte para a conservação da natureza, quando na realidade todas as quatro atitudes negligenciadas deveriam ser ponto de reflexão antes da compra de qualquer produto. Ao invés da compra de uma camiseta de PET ou qualquer outro produto industrial, o consumidor pode investir, por exemplo, na compra de produtos em feiras orgânicas, ou em alguma oportunidade que estimule a autossuficiência.
Devemos buscar dimensionar nosso consumo e optar sempre por produtos e serviços não industrializados, de produtores locais. Certamente a questão do desperdício e do consumo perpassam por questões de valores sociais e individuais relacionados ao que uma sociedade precisa para ser saudável e ao que os indivíduos precisam para serem felizes.
Com a grande mídia induzindo a compra aliada a prazer e felicidade, as pessoas tendem a viver e trabalhar para aumentar o poder de consumo. Esse modelo pode então ser melhor caracterizado como “consumir/excretar”. A visão de pessoas como simples consumidores e excretores pode ser biológica, mas não é ecológica.
Ainda que uma readaptação da indústria para modelos menos nocivos e poluidores seja algo positivo, deve-se aceitar esse momento apenas como uma transição para uma sociedade de baixo consumo e em harmonia com os ciclos naturais. O reaproveitamento dos produtos abundantes é necessário atualmente, mas apenas como medida transitória.
A minhoca é um ícone adequado para este princípio porque sobrevive através do consumo de resíduos vegetais existentes no solo (desperdícios), convertendo-os em húmus que melhora o próprio solo para ela, para micro-organismos que vivem na terra e para as plantas. Dessa forma, a minhoca como todos os organismos vivos são parte da rede onde o que uns produzem serve de insumo para outros.
O provérbio “não desperdice para que não lhe falte” nos lembra que é fácil agirmos sem responsabilidade e causar desperdícios em tempos de abundância, mas esse desperdício pode ser a causa de privações futuras.
“Um ponto na hora certa economiza nove” nos faz lembrar do valor de uma manutenção que previne desperdícios e do trabalho envolvido nos esforços significativos de restauração e reparo. Apesar de ser muito menos interessante do que buscar maneiras de usar abundâncias indesejadas, a manutenção daquilo que já temos vai se tornar um assunto atual e de grandes proporções num mundo com energia em declínio. Todas as estruturas e sistemas se depreciam e todos os sistemas ecológicos e humanos sustentáveis dedicam recursos para manutenção na hora certa.
Planeje partindo de padrões para os detalhes
“Às vezes as árvores nos impedem de ver a floresta”

Esse princípio remete ao desenvolvimento de “uma linguagem de padrões de planejamento em permacultura ao focar exemplos de estruturas e organizações que parecem ilustrar o uso equilibrado de energia e recursos” (HOLMGREN, 2013).
Nosso mundo está recheado de padrões que são resultados de milhares, por vezes milhões de anos de coevolução entre as espécies e o meio físico, permitindo que todas vivam em harmonia nos ecossistemas. As espécies que se extinguiram nesse caminhar evolutivo são a resposta de uma não adaptação energética ao meio. Por outro lado, todas as espécies, sejam elas da fauna ou da flora, que coabitam um ecossistema, refletem uma boa adaptação e, como exemplos de eficiência adaptativa ao meio, nos fornecem pistas para se estabelecer sistemas produtivos e de viver mais eficientes, portanto, eficazes.
Na busca por uma sociedade adaptada aos ciclos naturais, nossos esforços estarão mais no sentido de adaptar-nos aos padrões naturais locais, que buscar inovações tecnológicas para reparar nossos erros. Dentro disso entram as escalas de planejamento, que na permacultura estão organizadas basicamente através de zonas energéticas que são manejadas conforme a intensidade de uso, inclinação do terreno e também na observação dos setores de sol, vento, umidade, água, fogo, dentre outros.
A modernidade se orientou no sentido de desarrumar qualquer intuição ou bom senso sistêmico, que consegue com primazia ordenar a imensa variedade de opções e possibilidades de planejamento, que se apresentam em todos os campos da atividade humana. O vício de dar enfoque a complexidade dos detalhes, resulta no planejamento de elefantes brancos que são grandes e imponentes, mas que não funcionam, ou monstros sagrados que consomem toda nossa energia e recursos, sempre ameaçando escapar do nosso controle, tal como as grandes cidades. Os sistemas complexos que funcionam tendem a evoluir a partir de sistemas simples que funcionam, de forma que, encontrar o padrão adequado para um determinado planejamento é mais importante do que entender todos os detalhes dos elementos do sistema.
O provérbio “Às vezes as árvores nos impedem de ver a floresta” nos faz lembrar que os detalhes tendem a desviar nossa percepção da natureza do sistema; quanto mais perto nos aproximarmos, menor será a nossa capacidade de entender a questão como um todo.
Integre ao invés de segregar
“Muitos braços tornam o fardo mais leve”

Tanto entre seres humanos, quanto nas relações entre elementos naturais e outros animais, as relações estabelecidas são importantíssimas para a vida e a dinâmica desses grupos. A permacultura acredita que relações cooperativas e simbióticas tendem a contribuir mais do que relações meramente competitivas, na construção de uma sociedade com práticas adequadas em harmonia com a natureza. Dessa forma, o objetivo de um planejamento autorregulado e funcional é dispor os elementos de tal maneira que cada um deles satisfaça as necessidades e aceite os produtos dos demais elementos.
Nosso viés cultural ocidental que foca na complexidade dos detalhes, nos leva a ignorar a complexidade dos inter-relacionamentos. A nossa tendência é sempre optar pela segregação dos elementos como a estratégia padrão de planejamento, com intuito de reduzir a complexidade dos relacionamentos. Essas soluções surgem em parte devido ao nosso método científico reducionista que separa os elementos para estudá-los isoladamente. Qualquer consideração sobre como eles funcionam sendo parte de um sistema integrado tem sempre por base as conclusões tiradas do seu estudo isoladas, portanto, do sistema completo.
Holmgren coloca que “nas sociedades tradicionais estáveis, nas quais todos os recursos estão totalmente alocados, papéis definidos, obrigações mútuas estabelecidas, contribuições, impostos e outros, os mecanismos sociais prevalecem sobre os competitivos”. Um dos grandes exemplos que pode ser utilizado para esse princípio é o uso da criação de galinhas dentro de um sistema agroflorestal, onde a ave pode viver livremente e tem alimento disponível em abundância, bem como fornece adubação do solo através do seu esterco.
Use soluções pequenas e lentas
“Quanto maior, pior a queda”
“Devagar e sempre ganha a corrida”

A sociedade moderna valoriza a velocidade, seja no transporte, seja na produção, seja nas relações de consumo. Holmgren diz que “A ideia de que o mais rápido é melhor na produção agrícola e industrial, no transporte, na comunicação e nas viagens, na alimentação e em quase todos os aspectos da vida está profundamente enraizada como uma norma cultural.”
Os sistemas devem ser projetados para executar funções em menor escala que seja prática e eficiente no uso da energia para aquela função. A escala e a capacidade humanas deveriam ser a unidade de medida para uma sociedade sustentável, democrática e humana.
Nas últimas décadas a disponibilidade de energia barata continuou a subsidiar sistemas de larga escala. Porém, com o fim da energia barata eles se deslocarão para economias de escala natural em favor dos sistemas pequenos.
A conveniência e o poder proporcionados por uma mobilidade maior e pela tecnologia da informação tem sido um “cavalo de Troia”, destruindo comunidades e aumentando as demandas de energia. Mobilidade e velocidade têm se tornado tão prejudiciais, que movimentos do tipo “Alimento Lento” e “Cidades Lentas” se fortalecem a cada dia.
A revolução das comunicações e dos dispositivos móveis deu novo ímpeto à ideia de que velocidade é uma boa coisa, mas, de novo, lados negativos característicos têm surgido como as avalanches de mensagens indesejadas ou de compromissos, cuja resposta não pode ser protelada, pois, pode acarretar não interesse por uma das partes da comunicação, ameaçando as amenidades do processo.
Pequenas e certeiras estratégias de manejo, trazem resultados lentos, mas que podem ser eficazes e duradouros. Esse princípio pode ser aplicado em escala doméstica e pessoal, quando buscamos soluções que interfiram em pequena escala, mas que trazem um bom resultado a longo prazo.
Outros exemplos práticos nos oferecem uma visão mais equilibrada de oposição à atração de processos mais velozes e sistemas de larga escala. Por exemplo, a rápida resposta das culturas agrícolas aos fertilizantes solúveis é, muitas vezes, pouco duradoura. Esterco e minerais rochosos naturais geralmente proporcionam uma nutrição para a planta que é mais equilibrada e prolongada.
Em silvicultura, as espécies de rápido crescimento muitas vezes têm vida curta, enquanto outras espécies, mais valiosas e de crescimento aparentemente mais lento, depois da segunda ou terceira década aceleram o crescimento e acabam superando as de rápido crescimento.
Nas cidades com grande densidade populacional, a aparente conveniência e velocidade dos automóveis congestionam o trânsito e prejudicam a qualidade de vida, enquanto bicicletas, mais eficientes quanto ao consumo de energia, proporcionam liberdade de deslocamento sem barulho ou poluição.
O provérbio “Quanto maior, pior a queda” nos faz lembrar de uma das desvantagens do tamanho e crescimento excessivo. Por outro lado, o provérbio “Devagar e sempre ganha a corrida” é um dos muitos que estimulam a paciência, ao mesmo tempo, em que traz uma reflexão sobre uma verdade comum na natureza e na sociedade.
Use e valorize a diversidade
“Não coloque todos seus ovos numa única cesta”

O planeta que habitamos é composto por uma imensa variedade de espécies animais e vegetais, culturas, solos, rochas que formam diversos biomas e paisagens. Já se conhece as consequências produzidas pelas monoculturas induzidas por humanos, seja em nível de saúde – em decorrência da baixa variabilidade de nutrientes na dieta alimentar e o alto nível de agrotóxicos, seja em nível de relações entre povos – com guerras e atos violentos que trazem uma imposição de uma cultura sobre outra, principalmente por questões de poder nos territórios.
A policultura é uma das mais importantes e amplamente reconhecidas aplicações do uso da diversidade para reduzir a vulnerabilidade a “pragas”, variações climáticas desfavoráveis e flutuações de mercado. A policultura também reduz a dependência nos sistemas de mercado e reforça a autossuficiência e autoconfiança da família e da comunidade, pois proporciona uma gama maior de bens e serviços. Contudo, de forma alguma a policultura é a única aplicação deste princípio.
A diversidade dos vários sistemas de cultivo reflete as características peculiares da natureza e situação do local e do contexto cultural. A diversidade das estruturas, tanto a de entes vivos como as construídas, é um aspecto importante deste princípio, assim como a diversidade entre espécies e populações, inclusive comunidades humanas. A conservação de, pelo menos, alguns, dentre a grande diversidade de idiomas e culturas no planeta, é possivelmente tão importante quanto à conservação da biodiversidade.
Apesar de exercer forte impacto na humanidade e na biodiversidade, a redução da orgia de uso de energia fóssil fará com que, no longo prazo, a sua substituição estimule uma nova diversidade em nível local e biorregional.
Em suma, a diversidade é naturalmente intrínseca à nossa vida, e devemos desfrutá-la, aprender com ela e cultivá-la, seja na produção alimentícia, seja no convívio humano. Somente através de um caminho que aceite e proporcione a diversidade, é que se pode garantir segurança alimentar e harmonia nas populações humanas.
O provérbio “Não coloque todos seus ovos numa única cesta” incorpora o entendimento popular que a diversidade proporciona um seguro contra as peças que a natureza e a vida cotidiana nos pregam.
Use as bordas e valorize elementos marginais
“Não pense que está no caminho certo somente porque ele é o mais batido”

O ícone do sol subindo no horizonte e um rio em primeiro plano nos mostra um mundo composto por contornos e bordas.
Os estuários nas zonas da maré constituem uma interface complexa entre a terra e o mar e podem ser vistos como um grande mercado ecológico de trocas entre esses dois grandes domínios de vida. A água rasa permite a penetração da luz solar, que possibilita o crescimento de algas e plantas, proporcionando também áreas onde as aves aquáticas e outros pássaros buscam alimento. A água doce dos rios que drenam as microbacias escoa sobre a água salgada, que é mais densa e que oscila para lá e para cá entre as marés, redistribuindo nutrientes para as inúmeras formas de vida que pululam nesse habitat.
Na natureza, as zonas periféricas – limites e conexões entre um sistema e outro, seja um ambiente, um ecossistema ou um bioma – são pontos ricos em diversidade e energia. É no contato entre a atmosfera e a crosta terrestre que está contida a vida e diversos processos energéticos presentes no planeta Terra. Por exemplo, “os limites terrestres sustentam um número maior de espécies de aves do que qualquer sistema de vegetação, pois os recursos de ambos os sistemas estão disponíveis” (HOLMGREN, 2013, p. 341).
Este princípio funciona com base na premissa de que o valor e a contribuição das bordas e os aspectos marginais e invisíveis de qualquer sistema, deveriam não apenas ser reconhecidos e preservados, mas que a ampliação desses aspectos pode aumentar a estabilidade e a produtividade do sistema. Por exemplo, aumentando-se a borda entre o terreno e a margem de uma represa pode-se aumentar a produtividade de ambos. Um planejamento que percebe o limite como uma oportunidade e não como um problema tem maiores chances de sucesso e adaptação (HOLMGREN, 2007).
O provérbio “Não pense que está no caminho certo somente porque ele é o mais batido” nos lembra que as coisas mais comuns, óbvias e populares não são necessariamente as mais significativas ou de maior influência.
Seja criativo e responda às mudanças
“A verdadeira visão não é enxergar as coisas como elas são hoje, mas como serão no futuro”

Por mais que o planejamento aconteça de forma mais ampla antes da execução ou no começo, é necessário que ele seja constantemente reavaliado conforme os resultados obtidos. Holmgren (2013) afirma que a permacultura se refere à durabilidade dos sistemas vivos naturais e da cultura humana, mas essa durabilidade depende paradoxalmente em grande medida de flexibilidade e mudança. Alguns fatores que estão fora de previsão podem influenciar em resultados não esperados. Por isso a criatividade se faz necessária para conseguir superar mudanças inesperadas.
A borboleta, que é a transformação de uma lagarta, é o símbolo da ideia de mudança adaptativa que é mais estimuladora do que ameaçadora.
Embora seja importante integrar esse entendimento de fluidez e mudanças contínuas na nossa consciência do dia a dia, a aparente ilusão de estabilidade, permanência e sustentabilidade se resolve pelo reconhecimento de que a natureza das mudanças depende da escala. Quando se considera qualquer sistema em particular, as mudanças rápidas, de pequena escala e duração dos seus elementos contribuem, na realidade, para uma estabilidade de ordem mais elevada do próprio sistema. Vivemos e agimos num contexto histórico de rotatividade e mudanças em sistemas de múltiplas e grandes escalas; isso gera uma nova ilusão de mudanças sem fim, sem qualquer possibilidade de estabilidade ou sustentabilidade. Um sentido sistêmico e contextual do equilíbrio dinâmico entre estabilidade e mudança contribui para o planejamento que é evolucionário mais do que acidental.
O provérbio “A verdadeira visão não é enxergar as coisas como elas são hoje, mas como serão no futuro” enfatiza que entender a mudança é muito mais que a projeção de gráficos estatísticos mostrando tendências. Também estabelece uma ligação cíclica entre este último princípio de planejamento e o primeiro sobre observação.
Conclusão
O desenvolvimento sustentável para atender as necessidades humanas, dentro de limites ecológicos, exige uma revolução cultural maior que qualquer uma das mudanças profundas ocorridas no último século. O planejamento e as ações da permacultura no último quarto de século mostraram que essa revolução é complexa e multifacetada. Embora continuemos a nos debater com as lições de sucesso e fracasso do passado, o mundo de energia em declínio que está surgindo, vai adotar muitas das estratégias e técnicas da permacultura, como meios óbvios e naturais de se viver dentro de limites ecológicos, quando as riquezas reais diminuírem.
Por outro lado, o declínio de energia vai demandar respostas em tempo real para situações novas e adaptações incrementais de sistemas inadequados existentes, bem como as melhores inovações criativas aplicadas a problemas de planejamento menores e mais corriqueiros. Tudo isso deve ser feito sem os orçamentos milionários e o “oba-oba” normalmente associados às inovações atuais do desenho industrial.
Os princípios de planejamento da permacultura jamais poderão substituir o conhecimento técnico e as experiências práticas de sucesso. Contudo, esses princípios podem oferecer uma estrutura conceitual para a geração contínua de soluções para situações e locais específicos, necessárias para se avançar além dos êxitos limitados do desenvolvimento sustentável até um reencontro entre cultura e natureza.
Referências Bibliográficas
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HARLAND, Maddy. Future Care – redefining the third permaculture ethic. Permaculture International, nº95 – Spring 2018. https://www.permaculture.co.uk/
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