Fluxos e nichos de energias

O planeta Terra, entendido como uma entidade viva, como propõem James Lovelock e Lynn Margulis, possui muitas semelhanças com seres vivos. Nós, animais humanos, recebemos influência de energias externas do sol, dos ventos, das águas e, ao mesmo tempo, possuímos energias internas, promovidas pelos processos digestivos de conversão de energia da biomassa dos alimentos em movimentos.

Assim, na permacultura, consideramos as energias externas e internas que nos afetam diariamente e, buscamos formas de tentar aproveitá-las em sua forma primordial, buscando evitar perdas de eficiência por processos de conversão (entropia).

Energias internas

Inclui as energias não-renováveis acumuladas no planeta em estoques com taxas de recomposição diferentes:

  • Óleo, carvão, minerais.
  • Nuclear – a partir do decaimento radioativo
  • Geotérmica – através da convecção dos magmas
  • Gravitacional – entendida como uma força, a gravidade pode e deve ser compreendida como capaz de realizar trabalhos, ao conferir energia potencial a todos os corpos com massa, sejam eles fluidos ou sólidos, condicionando fluxos. Uma força constante, latente e menosprezada (esforço).
Calor interno ao corpo de um animal (Foto: Boaworm, 2010).
Calor interno do planeta Terra  (NASA 2006).

Energias Externas

Incluem aquelas energias entendidas como renováveis oriundas do Sol ou da Lua:

  • Radiação solar
  • Vento
  • Água
  • Biomassa
A atração gravitacional da lua pode ser considerada uma energia renovável por operar em ciclos mensais.Imagem: NASA – Wikimedia Commons.

Nem toda a energia que vem do sol chega na superfície da Terra. Praticamente metade dela (48%) irá ser dissipada nos ecossistemas que abrigam seres vivos que, por sua vez, autorregulam as condições climáticas.

Quantitativos de energia proveniente do sol que chegam a Terra, são absorvidos pela atmosfera e são refletidos para o espaço. Figura: NASA Earth Observatory.

Uma vez ultrapassada a atmosfera, a energia entra em um ciclo de transformações que promoverão o aquecimento do planeta, devido à diferença entre os albedos presentes nas diferentes superfícies. Com isso, há a criação de correntes de ventos que buscarão equalizar pressões através de seus fluxos.

Dunas sobrepondo-se à vegetação em Queensland – Austrália. Imagem de Yann Arthus-Bertrand.

Esses ventos se dissipam e levam umidade dos oceanos para os continentes, gerando chuvas, num processo de hidratação das paisagens terrestres. Fundamental para nossa permanência, essa umidade se manifestará em chuva e iniciará sua viagem pelas “artérias hídricas” da Terra.

Chuvas em áreas continentais. Imagem: Basile Morin – Wikimedia Commons.

Ao chover nas cabeceiras dos rios, a gravidade se encarrega de continuar os fluxos de água de forma concentrada em vales estreitos com leitos pedregosos. Inicia-se um processo de escultura do terreno e desagregação das rochas.

Águas turbulentas de um rio em terreno montanhoso. Imagem: Pierre Andre Leclercq – Wikimedia Commons.

Em seu trajeto, os terrenos vão ficando menos declivosos e as águas passam a contar menos com a força da gravidade. Nesse estágio de dissipação da energia, as águas passam a depositar os pedaços e minerais das rochas lavadas das cabeceiras. A partir daqui as águas decidem lentamente seu caminho até os mares, fluindo por canais conformados em um padrão natural meandrante.

Meandro com formação de um depósito de sedimentos arenosos. Imagem de Evgeni DinevWikimedia Commons.

As perdas ao longo do fluxo nas paisagens

O ato de fluir das energias fará com que essas, em seu processo de dissipação em busca de equilíbrio, se convertam em outras formas e, isso, trará perdas e poderão comprometer a eficiência no que tange ao objetivo de aproveitá-las. Assim temos de considerar como premissas de eficiência que é necessário:

  • Compreender o fluxo das energias que cruzam a paisagem.
  • Realizar uma boa leitura da paisagem para entender quais os fluxos energéticos são mais intensos no contexto de paisagem que desejamos estabelecer um planejamento permacultural;
  • Buscar aproveitar a energia em sua forma primordial.
  • Evitar conversões.

Dentro de processos ecológicos, como na cadeia trófica, a conversão energética de seres vivos produtores para consumidores primários e, destes, para os consumidores secundários, envolvem perdas energéticas de grande escala (logarítmica).

Diagrama do fluxo de energia através de níveis tróficos. E = Entrada de energia; A = Assimilação de energia; P = Produtividade; R = Energia utilizada para manutenção (Respiração); NU = Energia não utilizada; B = Biomassa. Figura: Thompson (2020), Modificado por MarceloTeles (2020).

Assim, por fazermos parte dessa cadeia trófica, ao consumirmos alimentos de da base dessa cadeia, estaremos consumindo baixa energia embutida no processo de obtenção desse alimento, pois o mesmo, passou por menos processos de conversão energética.

Por outro lado, ao consumirmos alimentos vinculados a elevados níveis na cadeia, estaremos ingerindo algo com muita energia embutida no seu processo de obtenção. A essa energia embutida damos o nome de “emergia”.

Por definição, emergia é toda a energia externa e interna, renovável ou não, que a biosfera utiliza-se para produzir um recurso, seja natural ou antrópico. Em outras palavras, é a energia incorporada ao processo de obtenção do recurso.

Assim, a transformação de uma energia em outra/s vai acumulando (emergia) sucessivas perdas no grande ciclo de fluxos, tornando ineficiente seu aproveitamento. A seguir o vídeo “A extraordinária vida e tempos de um morango”, nos mostra isso de forma bem didática.

Como aproveitar fluxos energéticos?

Considerando as energias renováveis presentes em cada paisagem, a permacultura costuma olhar para 8 fluxos/nichos principais:

  • Sol
  • Ventos
  • Águas
  • Minerais
  • Biomassa
  • Gravidade
  • Geotermal
  • Animais

Cabe ao planejador realizar uma criteriosa leitura da paisagem buscando reconhecer quais dos seis primeiros fluxos/nichos energéticos – sol, ventos, águas, minerais, biomassa, gravidade – são mais “latentes” no espaço a ser planejado.

O aproveitamento das energias deve iniciar para aquelas que estão a maior parte do tempo presentes e persistentes. Por exemplo, em paisagens muito planas, teremos maior insolação e ventos. Já em terrenos muito acidentados com vales fechados, teremos menor incidência solar e ventos.

Veja a seguir exemplos de paisagens e a escala de latência de cada fluxo/nicho de energia.

Paisagem natural em Uganda. Fonte: Dave Proffer (2007).

Dentre as energias presentes na paisagem na savana de Uganda, podemos hierarquizá-las da mais latente para a menos. Assim temos: solar > vento > mineral > biomassa > água > gravidade.

Vejamos outra paisagem no interior da Áustria, onde a hierarquia mostra: água > mineral > sol > biomassa > vento > gravidade.

Paisagem na Áustria. Fonte: Zeitblick (2015).

A energia “geotermal” e dos “animais” dependerá da possibilidade de aplicação de acordo com o contexto e disponibilidade onde o planejamento está sendo realizado. Por exemplo, locais com solos rasos não servirão para o aproveitamento de regulação de temperaturas geotermais, pois não haverá como implantar tecnologias de aproveitamento nesse contexto. Em relação à energia dos animais, teremos de considerar a presença destes no espaço planejado e, se os mesmos estão aptos ou desejam realizar trabalhos.

É importante avaliar todas as variáveis de fluxos energéticos citadas, mas também a posição geográfica, altitude, o regime climático e possíveis interferências humanas, como por exemplo, o barramento de um curso de água por um vizinho situado à montante do espaço planejado, interferindo nas vazões do mesmo.

Tecnologias apropriadas

Uma vez compreendido sobre o potencial de aproveitamento dos fluxos e nichos energéticos, pode-se avaliar quais as técnicas e tecnologias sociais mais apropriadas para realizar tal aproveitamento.

Lembre-se que a conversão de energias sempre terá perdas por entropia. Então, toda a técnica ou tecnologia que cumpra suas funções usando o mínimo de conversão, deverá ser priorizada. Por exemplo, é melhor ter um painel de aquecimento de água, do que investir apenas em paineis fotovoltaicos para geração de energia elétrica, que será consumida para aquecer a água depois.

Se a técnica ou tecnologia fizer um aproveitamento de fontes híbridas de fluxos/nichos energéticos, também será melhor, pois diversidade é estabilidade.

Por fim, é necessário também, considerar o quanto de emergia há na técnica ou tecnologia pretendida, bem como, o tempo de vida útil e a quantidade de energia que a mesma poderá aproveitar. Por exemplo, permacultores constroem casas com materiais locais e adotam técnicas passivas de aproveitamento energético, visando reduzir os montantes de emergia presentes em materiais comerciais, que usam muita energia para serem fabricados e transportados e, manter o ambiente confortável com estratégias de climatização natural.