Reúsos

Atualizado em

Arthur Nanni

Compreendem as possibilidades de reaproveitamento das águas que tiveram algum uso no espaço de planejamento. Aqui são apresentadas técnicas de tratamentos pós-uso e destinação para outros elementos na paisagem, tais como:

  • Círculo de bananeiras
  • Zonas de raízes
  • Tanques/bacias de evapotranspiração

Círculo de bananeiras

Círculo de bananeiras é um elemento clássico de saneamento ecológico descentralizado, bem difundido no Brasil. Trata-se de um dispositivo de tratamento de águas cinzas provenientes de usos domésticos nos tanques, pias, chuveiros e máquinas de lavar roupas e louças. A lógica por trás dessa tecnologia é a compreensão de efluente doméstico como um recurso e não como um problema.

Características

Trata-se de uma estrutura com uma escavação com dimensionamento definido pela demanda – número de pessoas e usos – que busca tratar as águas usadas, por meio das raízes e da microflora e microfauna que se forma ao redor delas, com aproveitamento também da evapotranspiração das águas via plantas de folhas largas, como bananeira, inhame, taioba, etc.

Adequada para solos não muito permeáveis e climas que não sejam muito frios ao ponto de ocorrerem geadas ou neve. Nestes casos este sistema é possível mas requer adaptações de espécies, aumento da quantidade de círculos ou do comprimento das valas e consciência da possibilidade de infiltração dos líquidos em vez do tratamento e evapotranspiração. Também não é adequado para terrenos frequentemente alagados. Normalmente é instalado próximo às casas e estruturas construídas, portanto na zona 1.

Necessidades

A tecnologia social necessita para sua implantação de solo não muito permeável (argilas e siltes), um leve desnível a partir das fontes geradoras de águas cinzas, plantas com alto poder de transpiração (folhas largas), além de troncos e galhos grossos ou outro material biodegradável e poroso a serem depositados dentro, para constituir uma parte estrutural e uma superfície para o desenvolvimento de um biofilme que auxiliará na decomposição da matéria orgânica que vier nas águas cinzas.

Por se tratar de um sistema de tratamento vivo, há necessidade de manutenção (limpeza) de tempos em tempos, através da retirada de todo o material acumulado no buraco a ser encaminhado para uma compostagem, e a reinstalação e reconstrução dessa parte interna do sistema com o buraco e a camada de galhos coberta com palhada.

Funções

O círculo de bananeiras tem a função primordial de tratar e destinar as águas cinzas, mas também:

  • Reutilizar águas cinzas como fertilizadoras de plantas que podem produzir excedentes e ter outras funções;
  • Gerar lodo fertilizado para aplicação em árvores ou para compostagem;
  • Gerar biomassa. 

A tecnologia em detalhe

O círculo de bananeiras baseia-se na mímica da natureza, que nos apresenta plantas com grande área foliar e alto poder de evapotranspiração, bem adaptadas a áreas úmidas. Essas áreas são filtros naturais que, por possuírem baixa energia de escoamento das águas, retém matéria orgânica e metais, operando como um verdadeiro filtro de impurezas, deixando passar águas com melhor qualidade, por meio da incorporação em sua biomassa e pela evapotranspiração, que retorna água limpa para a atmosfera.

A abertura do círculo de bananeiras prevê a escavação dos horizontes A e B do solo, sendo o que o último não deve ser rompido (até o C), pois possui geralmente mais argila, um importante fator impermeabilizante, que reduz a infiltração e contaminação para estratos mais profundos de solos na paisagem. Dessa forma, sugere-se escavar profundidades em torno de um metro, mas sempre tendo o cuidado de permanecer dentro do horizonte B.

Em locais onde há horizonte A passando diretamente para o horizonte C de solos (neossolos), a tecnologia é desaconselhada, mas caso se deseje implantá-la, adaptações podem ser feitas. Nesse caso, sugere-se a aplicação de uma camada (em torno de 15 cm) compacta de argilas no fundo e nas paredes da escavação. O uso de lonas plásticas é desaconselhado, pois as mesmas têm vida útil curta se tornando um problema adicional.

O dimensionamento dependerá do volume de águas cinzas geradas. Para uma família média brasileira de 4 pessoas, o indicado é 1 m3 ou uma caixa d’água de 1000 L em climas úmidos como da Floresta Atlântica e Amazônica. É importante que a escavação não seja muito larga, 1 m de largura está bom, para haver o sombreamento completo das águas quando as bananeiras estiverem adultas. Isso evitará odores ruins oriundos do sol que pega nas gorduras que vêm com as águas cinzas. Assim, para projetos coletivos, o indicado é fazer um corredor de bananeiras com largura entre 1 e 1,5 m, de preferência em padrão meandrante, para maximizar os sombreamentos e conferir estabilidade à escavação.

Em situações de solos arenosos com presença de horizonte A e onde o horizonte B apresentará alta permeabilidade, vale também a adaptação com uma camada de argila. Se houver longo período de estiagem, como a Caatinga e Cerrado, não há a necessidade de impermeabilização com argilas, mas aconselha-se a relocação das plantas do camalhão para a parte interna do dispositivo.

Círculos de bananeiras pensados para diferentes condições bioclimáticas. Desenho de Bruno Urata.
Círculo de bananeiras demonstrativo (não-coberto) recém-implantado no Sítio Maravilha em Araçuaí/MG. Depois o dispositivo receberá o plantio de batata-doce e taioba e será coberto com galhos de poda e folhas secas. Foto de Arthur Nanni.

Em terrenos muito planos, sujeitos a alagamentos, sugere-se levantar os camalhões para evitar a entrada de águas laterais. Caso o lençol freático esteja muito próximo à superfície do terreno, essa tecnologia é desaconselhada, daí outras opções mais indicadas podem ser, a zona de raízes operando em caixa estanque ou em sistema em espiral, com posterior reutilização dessa água para irrigação.

Em locais frios, onde são registradas geadas brandas, sugere-se a implantação de plantas de folhas largas em diferentes estratos. Assim, teremos as bananeiras como estrato mais alto, que sofrerão com o frio, mas haverá o suporte de plantas mais baixas, como o inhame ou a taioba para seguir evapotranspirando e “sugando” as águas fertilizadas quando as bananeiras forem atingidas por frios extremos, geadas ou neve. Ainda considerando as temperaturas baixas, a tecnologia é desaconselhada para regiões como a Estepe e a Floresta ombrófila mista, presentes no sul do Brasil, em virtude do frio intenso e o potencial comprometimento das plantas evapotranspirantes, gerando colapso do sistema.

Círculo de bananeiras estratificado no sítio Igatu em São Pedro de Alcântara/SC. Foto de Arthur Nanni.

Um passo-a-passo de como construir um círculo de bananeiras pode ser encontrado na cartilha  Tratamento de esgoto na zona rural: Fossa verde e círculo de bananeiras e, também, em Manejo Sustentável da Água, publicado pelo IPOEMA em 2014.

Verificação de aplicação

As implantações mostradas aqui foram conferidas em dois locais com contextos bioclimáticos diferentes. O círculo de bananeiras do Sítio Maravilha em Araçuaí/MG, uma unidade experimental e demonstrativa de permacultura, gerenciada pelo permacultor Celso de Souza Silva, integrante da equipe do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, foi visitado em agosto de 2024 e mostra o desenho para climas com alternância de estações secas e chuvosas. Já no Sítio Igatu em São Pedro de Alcântara/SC, visitado em fevereiro de 2025, é usado o esquema de estruturação para climas chuvosos e frios.

Referências de suporte

Castagna, G., Barros, L., Yamamoto, P., & Dias, J. (2019). Manejo da água: Guia prático. Instituto de Projetos e Pesquisas Socioambientais. https://ipesa.org.br/arquivos/cartilha_manejo_da_agua_ipesa_v2.pdf 

Figueiredo, I. C. S. (2018). Tratamento de esgoto na zona rural: Fossa verde e círculo de bananeiras. Biblioteca/Unicamp. https://www.fecfau.unicamp.br/~saneamentorural/wp-content/uploads/2017/11/Fossa-Verde-e-C%C3%ADrculo-de-Bananeiras-UNICAMP.pdf 

IPOEMA. (2014). Manejo Sustentável da Água. Instituto de Permacultura: Organização, Ecovilas e Meio Ambiente. https://ipoema.org.br/wp-content/uploads/2019/05/Cartilha-A%CC%81gua-Sustenta%CC%81vel_2019.pdf 

Paulo, P. L., Galbiati, A. F., & Magalhães Filho, Fernando Jorge Corrêa. (2018). CataloSan—Catálogo de Soluções Sustentáveis de Saneamento: Gestão de Efluentes Domésticos. Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde. http://www.funasa.gov.br/documents/20182/39040/CATALOSAN.pdf/ab32c6fc-c7ee-406f-b2cd-7eba51467453

Zona de raízes em espiral

O tratamento de águas cinzas com zona de raízes é bem conhecido e difundido na permacultura. São sistemas inspirados em áreas alagadas naturais que funcionam como filtros de nutrientes, purificando as águas que por elas passam.

O uso de padrões naturais pode melhorar o desempenho dessa filtragem -o tratamento – e gerar subprodutos que podem ser utilizados como insumos em outros processos dentro do espaço planejado, agregando mais funções a esse elemento.

Características

Um sistema de tratamento de águas cinzas por meio de plantas aquáticas flutuantes, que opera em um circuito linear em forma de espiral, construído em ferro-cimento.

A retenção de nutrientes na biomassa das plantas aquáticas pode chegar a 90%, fazendo com que o efluente final apresente boa qualidade e possa ser utilizado em outros processos, atendendo as necessidades de outros elementos na paisagem planejada.

Necessidades

Para implantação, o sistema necessita de espaço físico capaz de comportar o volume das águas cinzas geradas e de impermeabilização com concreto do leito do elemento. Além disso, necessitará da inserção de plantas aquáticas adaptadas às condições bioclimática locais.

O manejo compreende a retirada periódica de parte das plantas, permitindo que os indivíduos que ficam no sistema, sejam as matrizes para a propagação e manutenção do serviço de tratamento das águas. Na estação quente o manejo exige maior frequência devido ao rápido crescimento das plantas.

Funções

O sistema de tratamento tem como funções:

  • Tratar as águas cinzas domésticas;
  • Gerar biomassa de adubação para plantios em outras zonas;
  • Irrigar hortas e viveiros na mesma zona;
  • Alimentação de pequenos animais.

A tecnologia em detalhe

Trata-se de um sistema que mimetiza áreas alagadas naturais por meio de um reservatório que nivela volumes de águas cinzas e, contém plantas aquáticas flutuantes, que se beneficiam da carga de nutrientes provenientes das águas cinzas domésticas.

Sistema de tratamento no Instituto Çarakura. Foto de Júlia Sfredo.

Segundo Sfredo (2013) o sistema foi construído em 2008 durante um curso de permacultura realizado no Instituto Çarakura, para atender à demanda de tratamento de águas cinzas geradas pela pia da cozinha do sítio. O seu funcionamento iniciou apenas em 2009.

Segundo Sfredo (2013), o centro do sistema possui:

… um tubo de concreto de 90 cm de diâmetro, com um fundo falso que fica há 10 cm acima do fundo verdadeiro e consiste num disco de cimento perfurado, pelo qual o cano de entrada do sistema passa, liberando o efluente nesse espaço sob o disco perfurado. Acima desse disco, o cilindro foi preenchido com cascalho e restos de materiais do sítio (como pedaços de telha, etc). Ao redor desse cilindro foi erguida uma parede fina em espiral, contabilizando três voltas a partir do ponto inicial, utilizando-se a técnica de ferrocimento, que consiste na utilização de uma tela de ferro como armação, sobre a qual foi aplicada uma massa de brita, areia e cimento. O wetland tem aproximadamente 3,30 m de diâmetro e 0,53 m de altura.

Em relação a trajetória do efluente, a autora coloca que o mesmo:

… passa pela caixa de gordura, e chega ao sistema abaixo do fundo falso do tubo central e, por ascensão, o efluente sobe até transbordar do tubo central para o início da espiral e preenche toda a estrutura. Nessa primeira etapa o efluente já é filtrado fisicamente, ao passar pelo disco perfurado e pelos cascalhos e biologicamente, pelo biofilme que se forma na superfície do cascalho.

Estrutura e circuito de tratamento do sistema. Ilustração de Bruno Urata. 

Em relação às plantas, foram introduzidas três espécies vegetais aquáticas flutuantes: Eichhornia crassipes, Pistia stratiotes e Spirodela intermedia, sendo que a primeira, no período de verão cresce mais intensamente, prevalecendo sobre as demais, exigindo um manejo de retirada mais frequente. 

“Explosão de crescimento de E. crassipes (aguapé) durante a transição sazonal do inverno para o verão. Fotos de Júlia Sfredo.

Segundo Sfredo (2013) “a manutenção de uma densidade ótima de biomassa, ou seja, sem que haja sobreposição de biomassa e clareiras na superfície, é fundamental para o sucesso do tratamento”. Ainda menciona que a planta “S. intermedia possui alto teor proteico e pode ser utilizada como complemento na alimentação dos animais criados no sítio, como patos, galinhas e ruminantes”, atribuindo uma função adicional ao elemento.

A autora conclui ainda que o sistema com plantas aquáticas flutuantes “apresenta boa eficiência no tratamento de águas cinzas”.

Verificação de aplicação

A técnica foi verificada em 2010 e as informações aqui descritas foram retiradas do trabalho de conclusão de curso em biologia de Júlia Sfredo, intitulado “Eficiência de um sistema wetland construído em espiral no tratamento de águas cinzas ”, publicado em 2013.

Referências de suporte

Sfredo, J. B. (2013). Eficiência de um sistema wetland construído em espiral no tratamento de águas cinzas [Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências Biológicas]. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/132672