Compreendem as possibilidades de reaproveitamento das águas que tiveram algum uso no espaço de planejamento. Aqui são apresentadas técnicas de tratamentos pós-uso e destinação para outros elementos na paisagem, tais como:
- Círculo de bananeiras
- Zonas de raízes
- Tanques/bacias de evapotranspiração
Círculo de bananeiras
Círculo de bananeiras é um elemento clássico de saneamento ecológico descentralizado, bem difundido no Brasil. Trata-se de um dispositivo de tratamento de águas cinzas provenientes de usos domésticos nos tanques, pias, chuveiros e máquinas de lavar roupas e louças. A lógica por trás dessa tecnologia é a compreensão de efluente doméstico como um recurso e não como um problema.
Características
Trata-se de uma estrutura com uma escavação com dimensionamento definido pela demanda – número de pessoas e usos – que busca tratar as águas usadas, por meio das raízes e da microflora e microfauna que se forma ao redor delas, com aproveitamento também da evapotranspiração das águas via plantas de folhas largas, como bananeira, inhame, taioba, etc.
Adequada para solos não muito permeáveis e climas que não sejam muito frios ao ponto de ocorrerem geadas ou neve. Nestes casos este sistema é possível mas requer adaptações de espécies, aumento da quantidade de círculos ou do comprimento das valas e consciência da possibilidade de infiltração dos líquidos em vez do tratamento e evapotranspiração. Também não é adequado para terrenos frequentemente alagados. Normalmente é instalado próximo às casas e estruturas construídas, portanto na zona 1.
Necessidades
A tecnologia social necessita para sua implantação de solo não muito permeável (argilas e siltes), um leve desnível a partir das fontes geradoras de águas cinzas, plantas com alto poder de transpiração (folhas largas), além d e troncos e galhos grossos ou outro material biodegradável e poroso a serem depositados dentro, para constituir uma parte estrutural e uma superfície para o desenvolvimento de um biofilme que auxiliará na decomposição da matéria orgânica que vier na água cinza.
Por se tratar de um sistema de tratamento vivo, há necessidade de manutenção (limpeza) de tempos em tempos, através da retirada de todo o material acumulado no buraco a ser encaminhado para uma compostagem, e a reinstalação e reconstrução dessa parte interna do sistema com o buraco e a camada de galhos coberta com palhada.
Funções
O círculo de bananeiras tem a função primordial de tratar e destinar as águas cinzas, mas também:
- Reutilizar águas cinzas como fertilizadoras de plantas que podem produzir excedentes e ter outras funções;
- Gerar lodo fertilizado para aplicação em árvores ou para compostagem;
- Gerar biomassa.
A tecnologia em detalhe
O círculo de bananeiras baseia-se na mímica da natureza, que nos apresenta plantas com grande área foliar e alto poder de evapotranspiração, bem adaptadas a áreas úmidas. Essas áreas são filtros naturais que, por possuírem baixa energia de escoamento das águas, retém matéria orgânica e metais, operando como um verdadeiro filtro de impurezas, deixando passar águas com melhor qualidade, por meio da incorporação em sua biomassa e pela evapotranspiração, que retorna água limpa para a atmosfera.
A abertura do círculo de bananeiras prevê a escavação dos horizontes A e B do solo, sendo o que o último não deve ser rompido (até o C), pois possui geralmente mais argila, um importante fator impermeabilizante, que reduz a infiltração e contaminação para estratos mais profundos de solos na paisagem. Dessa forma, sugere-se escavar profundidades em torno de um metro, mas sempre tendo o cuidado de permanecer dentro do horizonte B.
Em locais onde há horizonte A passando diretamente para o horizonte C de solos (neossolos), a tecnologia é desaconselhada, mas caso se deseje implantá-la, adaptações podem ser feitas. Nesse caso, sugere-se a aplicação de uma camada (em torno de 15cm) compacta de argilas no fundo e nas paredes da escavação. O uso de lonas plásticas é desaconselhado, pois as mesmas têm vida útil curta se tornando um problema adicional.
O dimensionamento dependerá do volume de águas cinzas geradas. Para uma família média brasileira de 4 pessoas, o indicado é 1m3 ou uma caixa d’água de 1000L em climas úmidos como da Floresta Atlântica e Amazônica. É importante que a escavação não seja muito larga, 1m de largura está bom, para haver o sombreamento completo das águas quando as bananeiras estiverem adultas. Isso evitará odores ruins oriundos do sol que pega nas gorduras que vêm com as águas cinzas. Assim, para projetos coletivos, o indicado é fazer um corredor de bananeiras com largura entre 1 e 1,5m, de preferência em padrão meandrante, para maximizar os sombreamentos e conferir estabilidade à escavação.
Em situações de solos arenosos com presença de horizonte A e onde o horizonte B apresentará alta permeabilidade, vale também a adaptação com uma camada de argila. Se houver longo período de estiagem, como a Caatinga e Cerrado, não há a necessidade de impermeabilização com argilas, mas aconselha-se a relocação das plantas do camalhão para a parte interna do dispositivo.

Em terrenos muito planos sujeitos a alagamentos sugere-se levantar os camalhões para evitar a entrada de águas laterais. Caso o lençol freático esteja muito próximo à superfície do terreno, essa tecnologia é desaconselhada, daí outras opções mais indicadaso podem seré a zona de raízes operando em caixa estanque ou em sistema concêntrico com posterior reutilização dessa água para irrigação.
Em locais frios, onde são registradas geadas brandas, sugere-se a implantação de plantas de folhas largas em diferentes estratos. Assim, teremos as bananeiras como estrato mais alto, que sofrerão com o frio, mas haverá o suporte de plantas mais baixas, como o inhame ou a taioba para seguir evapotranspirando e “sugando” as águas fertilizadas quando as bananeiras forem atingidas por frios extremos, geadas ou neve. Ainda considerando as temperaturas baixas, a tecnologia é desaconselhada para regiões como a Estepe e a Floresta ombrófila mista, presentes no sul do Brasil, em virtude do frio intenso e o potencial comprometimento das plantas evapotranspirantes, gerando colapso do sistema.
Um passo-a-passo de como construir um círculo de bananeiras pode ser encontrado na cartilha Tratamento de esgoto na zona rural: Fossa verde e círculo de bananeiras e, também, em Manejo Sustentável da Água, publicado pelo IPOEMA em 2014.
Verificação de aplicação
As implantações mostradas aqui foram conferidas em dois locais com contextos bioclimáticos diferentes. O círculo de bananeiras do Sítio Maravilha em Araçuaí/MG, uma unidade experimental e demonstrativa de permacultura, gerenciada pelo permacultor Celso de Souza Silva, integrante da equipe do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, foi visitado em agosto de 2024 e mostra o desenho para climas com alternância de estações secas e chuvosas. Já no Sítio Igatu em São Pedro de Alcântara/SC, visitado em fevereiro de 2025, é usado o esquema de estruturação para climas chuvosos e frios.
Referências de suporte
Castagna, G., Barros, L., Yamamoto, P., & Dias, J. (2019). Manejo da água: Guia prático. Instituto de Projetos e Pesquisas Socioambientais. https://ipesa.org.br/arquivos/cartilha_manejo_da_agua_ipesa_v2.pdf
Figueiredo, I. C. S. (2018). Tratamento de esgoto na zona rural: Fossa verde e círculo de bananeiras. Biblioteca/Unicamp. https://www.fecfau.unicamp.br/~saneamentorural/wp-content/uploads/2017/11/Fossa-Verde-e-C%C3%ADrculo-de-Bananeiras-UNICAMP.pdf
IPOEMA. (2014). Manejo Sustentável da Água. Instituto de Permacultura: Organização, Ecovilas e Meio Ambiente. https://ipoema.org.br/wp-content/uploads/2019/05/Cartilha-A%CC%81gua-Sustenta%CC%81vel_2019.pdf Paulo, P. L., Galbiati, A. F., & Magalhães Filho, Fernando Jorge Corrêa. (2018). CataloSan—Catálogo de Soluções Sustentáveis de Saneamento: Gestão de Efuentes Domésticos. Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde. http://www.funasa.gov.br/documents/20182/39040/CATALOSAN.pdf/ab32c6fc-c7ee-406f-b2cd-7eba51467453