Usos

Atualizado em

Arthur Nanni
Marcelo Venturi

As águas de abastecimento compreendem aquelas que entram no espaço planejado, tais como às das chuvas, rios, subsuperficiais e subterrâneas. Essas águas serão captadas, conduzidas e armazenadas para serem aproveitadas para os mais diversos fins.

Quando pensada de forma sistêmica, a captação de águas fica um pouco mais complexa, o que exige dos permacultores uma boa leitura da paisagem, para entender não só onde estão as águas, mas também, sobre como conduzi-las e armazená-las na paisagem.

Isso coloca-nos o desafio de reconhecer que nem sempre os locais mais óbvios para captar, conduzir e armazenar águas, são aqueles onde as águas estão diretamente visíveis. A paisagem se constitui de muitas possibilidades.

Em alguns contextos onde não há águas em mananciais disponíveis, seja pela distância desses, ou mesmo, pelas condições climáticas, é necessário que criemos condições para as águas permaneçam por mais tempo na paisagem, para podermos utilizá-la, também de forma lenta, atendendo o princípio de planejamento que nos sugere usar soluções pequenas e lentas.

Aqui são apresentadas técnicas e tecnologias de abastecimento incluindo:

Plantar águas na paisagem

 👆🏼Entenda os Contextos fitoecológicos onde a técnica é adequada

A técnica inclui o uso conjugado de valas de infiltração, caixas-secas e caixas-cheias, que propiciam a captação, condução e armazenamento de águas em encostas. Elas foram pensadas para garantir a presença de águas em períodos secos prolongados.

O sistema de armazenamento dinâmico de águas no subsolo, capaz de reter volumes expressivos de águas nos períodos das chuvas e liberá-las, em movimento lento por entre as partículas dos solos ao longo do ano, permitindo que nos períodos secos, as terras mais baixas possam contar com a hidratação necessária para manutenção de culturas.

Características

As valas de infiltração envolvem escavações rasas e lineares em nível na encosta. Podem ser implantadas a partir de escavação com pás ou microescavadeiras.

As caixas-secas envolvem escavações pontuais profundas com cerca de 2 a 3 m dispostas de forma espaçada ao longo de estradas de circulação. Essas escavações são interligadas num ângulo de 45º a valetas longitudinais à estrada e operam como se fossem bueiros cegos. Um espaçamento entre cada caixa-seca deve ser mantido no intuito de evitar colapso da encosta. Assim, não é indicado fazer caixas longas na forma de trincheiras, pois o horizonte C dos solos é geralmente mais permeável e mais friável e suscetível a erosões.

As caixas-cheias são pequenos entaipamentos que visam a desaceleração das águas ao longo dos talvegues, baixios e brejos, permitindo o cultivo de plantas que exigem maior quantidade de água. Em alguns casos, onde as vazões são perenes e de bom volume ao longo do ano, pode-se criar peixes. Se pensadas para esse fim, há necessidade de aprofundar o perfil das taipas.

Necessidades

A técnica necessita de topografia ondulada a declivosa, solos espessos e permeáveis e, alternância entre períodos chuvosos e secos, comuns em regiões de mar de morros da região sudeste, por exemplo.

As vales de infiltração precisam estar em nível ou ter inclinação suave de 2 a 5% para direcionar fluxos para as caixas-secas. Precisa de manutenção de limpeza sempre que houver obstrução da mesma, o que ocorre com frequência logo após a implantação, visto que os solos estarão descobertos. Com o tempo a vegetação começa a se desenvolver, diminuindo os volumes de solos erodidos.

As caixas-secas aprisionam águas e sedimentos durante o período das chuvas. Isso exigirá a limpeza das mesmas durante os períodos secos. O material retirado dessas caixas pode/deve ser utilizado para a manutenção dos acessos, geralmente danificados ao longo do período das chuvas.

Já as caixas-cheias, por estarem em um patamar inferior na topografia, necessitarão de manejo de desassoreamento, apenas em uma fase inicial onde a cobertura vegetal ainda é rala. Com o tempo a manutenção de desassoreamento nas caixas-cheias diminui e até cessa. Nesse estágio em diante o manejo fica praticamente restrito às culturas.

Funções

  • Reduzir as enxurradas e a erosão dos solos;
  • Reduzir o assoreamento dos cursos d’água;
  • Irrigação lenta por gravidade;
  • Ascender a linha de umidade em encostas;
  • Armazenar águas nos solos;
  • Reduzir a erosão das estradas;
  • Diminuir a frequência de manutenção de estradas e acessos;
  • Armazenar materiais de reposição para manutenção de estradas.

A técnica em detalhes

Vala de infiltração é uma técnica bastante conhecida na permacultura. Largamente aplicada na Austrália, os swales podem e devem ser implantados com o intuito de reter águas por mais tempo e hidratar as paisagens.

Valas de infiltração em nível –  vista lateral. Foto de Arthur Nanni.
Valas de infiltração em nível – vista superior. Foto de Marcelo Venturi.

As caixas-secas fazem a captação por meio de escavações espaçadas ao longo de acessos como estradas. Essas escavações atingem o horizonte C dos argissolos da região, que é bem mais permeável que o horizonte B. O acesso das águas superficiais conduzidas por valetas até o horizonte C via caixas-secas, permite que as águas que passem a permear esse horizonte por meses, operando como um grande reservatório dinâmico, permitindo a lenta liberação das águas no período de estiagem (abril a setembro), perenizando em alguns casos, cursos de água que parariam nesse período.

Detalhe da caixa-seca escavada ao lado da estrada. Ilustração de Bruno Urata.

 

Caixa-seca e horizontes de solo. Foto de Arthur Nanni.

Já as caixas-cheias, situam-se na porção mais inferior do terreno, promovendo a manutenção das culturas ali implantadas, permitindo até mesmo o plantio de espécies que necessitam alagamento, como o arroz.

Caixas-cheias ao longo do talvegue. Foto de Marcelo Venturi.

O melhor arranjo é operar sempre com ambas na paisagem, buscando hidratar encostas e permitindo diferentes usos e a diversificação de espécies, o que traz mais benefício no que tange a estabilidade dos sistemas produtivos agroecológicos.

Esquema das valas de infiltração na encosta. Horizontes de solo e flutuação do nível freáticos das águas subsuperficiais. Ilustração de Bruno Urata.

 

Esquema visto em planta para a implantação conjunta das técnicas. Ilustração de Bruno Urata.

É indicado nas porções de terreno superiores à caixa-seca, a implantação de terraços para potencializar ainda mais a quebra de velocidade das águas de escoamento superficial e estimular sua infiltração nos solos.

Essas técnicas são indicadas para locais com clima onde há alternância de estações secas e chuvosas e possuam fortes inclinações, principalmente associados aos contextos fitoecológicos das Florestas ombrófilas densas e abertas, estacionais semidecíduas e deciduais e Áreas de Tensão Ecológica.

Verificação de aplicação

Essas técnicas, desenvolvidas pelo Sítio Jaqueira, foram verificadas em agosto de 2022 no Município de Alegre/ES, na região do Caparaó Capixaba. Elas foram bem difundidas na região através de oficinas de sensibilização e implantação, realizadas por ações do Grupo de Agricultura Ecológica Kapi’xawa em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alegre/ES e, desenvolvidas no âmbito do projeto Plantadores de Água.

Referências de suporte

Failla, S. C., Senna, D. S. de, Oliveira, F. L. de, Machado, L. C. A., Kobi, H. de B., & Oliveira, L. dos S. G. (2021). Spring protection and watercourse and its relationship with environmental quality in family property, in the Caparaó region of Espírito Santo, Brazil. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, 16(2), Artigo 2. https://doi.org/10.18378/rvads.v16i2.8326 

Melo, R. F. De, Cardos0, I. M., Lima, P. H. C., Freitas, H. R., & Roseli Freire De Melo, C. I. M. C. (2023). Água e agroecologia. Brasília, DF: Embrapa, 2023. http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1158553 

Louback, G. C., Novaez, M. S., Vardiero, L. G. G., Campos, L. G. C., Souza, E. A. de, & Bastos, C. S. M. (2023). Análise da Sustentabilidade no Sítio Jaqueira Agroecologia, utilizando a ferramenta APOIA-NovoRural. OBSERVATÓRIO DE LA ECONOMÍA LATINOAMERICANA, 21(6), 3875–3900. https://doi.org/10.55905/oelv21n6-043 

Shubo, T., Dutra, G., & Montenegro, S. G. (2019). Water Farmers – An Aquifer Recharge Case Study in Caparaó, Brazil. p.85. https://recharge.iah.org/files/2021/02/ismar10_book_abstracts.pdf

Caça-chuvas


👆🏼Entenda os Contextos fitoecológicos onde a técnica é adequada

A captação de águas das chuvas é geralmente associada a telhados e calçadões. O caça-chuvas é um sistema similar ao calçadão, mas com custo mais baixo e móvel, idealizado para operar em terrenos com boa amplitude de desnível em contextos onde há alternância de estações chuvosas e secas.

Características

O caça-chuvas é uma tecnologia social móvel que proporciona a coleta de águas e seu direcionamento por gravidade para reservatórios localizados em níveis mais baixos no terreno. Pode ser de dois tipos, de terreiro quando a captação ocorre em uma lona aderente ao terreno, ou de cumeeira, quando a lona é estendida em forma de telhado em árvores.

Necessidades

O sistema necessita de terreno inclinado com superfície aberta que é impermeabilizada com uma lona plástica, para direcionar águas para reservatórios por gravidade. Destes, a água é distribuída por mangueiras, canaletas ou tubos, no espaço planejado para atender diferentes usos.

Funções

A função primordial do caça-chuvas é o abastecimento hídrico para irrigação ou dessedentação animal, mas pode ser aplicado também na preparação de espaços para plantio, através do abafamento para controle de plantas espontâneas. Por ser móvel, permite atender espaços e usos mais distantes da “Zona 0”.

A tecnologia em detalhe

Criado pelo permacultor e agricultor agroecológico Newton Campos, o sistema é composto de materiais de baixo custo, como lona plástica, tubos, conexões, reservatório e telas ou tampas, que podem ser facilmente encontrados em lojas de materiais de construção.

O sistema pode ser construído em poucas horas, sendo a parte mais trabalhosa, a de preparação do terreno para assentar a lona impermeabilizante e a conformação dos patamares para instalação dos reservatórios.

É indicado para porções dispersoras de águas em encostas, que são naturalmente mais secas, permitindo atender com maior facilidade os usos nesses locais.

A área de captação (lona) deve estar situada no terreno acima dos reservatórios, para permitir que o escoamento das águas seja feito pela força da gravidade. Se for possível seu cercamento, faça-o para evitar que animais o danifiquem ou sujem.

No modelo de terreiro, a lona deve ser esticada e ancorada lateralmente com estacas para evitar seu deslocamento com o peso e circulação das águas. Nos bordos pode-se utilizar mangueiras velhas ressecadas enroladas na lona para fazer um microbarramento lateral.

No modelo de cumeeira a lona deverá ser esticada entre árvores ou colunas com pequenos ajustes, como explica Newton no vídeo Plantando água com o Caça-Chuvas.

O direcionamento das águas é feito com a moldagem da lona sobre a superfície aberta do terreno e o transporte das águas por tubulações até os reservatórios, que poderão ser instalados em desnível, fazendo com que haja um efeito de decantação das partículas do solo, como argilas, silte e areia.

Área de captação de águas acima dos reservatórios. Foto de Arthur Nanni.

Plantas aquáticas podem ser inseridas em cada reservatório, prevendo a produção de biomassa e a proteção contra evaporação direta das águas, que passará a ocorrer apenas pela evapotranspiração das plantas sobrenadantes. Nesse caso, sugere-se o uso de sombrites para evitar a queda de sujeiras que possam obstruir as tubulações.

Reservatórios em desnível com sombrites. Foto de Arthur Nanni.

É importante lembrar que o reservatório mais abaixo deverá estar ainda acima dos usos das águas, para que esse atendimento possa ser feito com a energia da gravidade. Outro detalhe para reservatórios em desnível é a utilização de chave-boia para evitar a perda de água em cada reservatório.

Caso não haja possibilidade de montar os reservatórios em desnível, pode-se instalar esses em nível com o uso de um pé-de-galinha e, conectá-los lateralmente, operando com vasos comunicantes, mantendo o mesmo nível. Nesse tipo de instalação haverá decantação em todas as caixas.

Para ambos os esquemas de montagem dos reservatórios, é indicada a instalação de uma flange com tubo e registro no fundo das caixas, a fim de facilitar a limpeza de rotina e aproveitar o lodo decantado como fertilizante.

O uso de reservatórios de maior volume de armazenamento é desaconselhado em virtude do sistema ser móvel e adaptável em diferentes condições de terreno.

Esquemas de instalação de caça-chuvas em uma encosta. Ilustração de Arthur Nanni.

A partir de dados das chuvas é possível definir o volume potencial a ser captado no período das chuvas. Cada milímetro de água capturado em 1m2 de lona, corresponderá a 1L de água a ser reservado.

Para obter dados climáticos, incluindo a precipitação, sugere-se uma consulta no site Projeteee, onde você pode inserir sua cidade e seguir consultando informações.

No exemplo da figura abaixo, selecionado para a cidade onde foi verificada a tecnologia, ao passar o mouse sobre a barra de precipitação, é possível ver o valor médio de “262” mm de chuvas para o mês de janeiro. Nesse caso, para cada m2 de lona, será possível captar 262L neste mês.

Sítio do projeto Projeteee onde podem ser consultados dados climáticos.

Nos períodos de seca sugere-se o recolhimento da lona prevendo o prolongamento da sua vida útil.

Veja no vídeo Os caça-chuvas do Sítio Jaqueira Agroecologia uma breve explicação sobre seu uso e no vídeo a seguir uma explicação sobre como opera o sistema no Sítio Jaqueira.

Verificação de aplicação

A tecnologia foi verificada em agosto de 2022 no Sítio Jaqueira em Alegre/ES, região do Caparaó Capixaba.  O sítio é uma das referências do projeto Plantadores de água.

Referências de suporte

Canal Newton Campos.

Couzemenco, F. (2020). Em pleno funcionamento, os ‘caça-chuva’ viabilizam reflorestamento do Sítio Jaqueira. Jornal Século Diário. https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/em-pleno-funcionamento-os-caca-chuva-viabilizam-reflorestamento-do-sitio-jaqueira/ 

ProjetEEE – Projetando Edificações Energeticamente Eficientes. (s. d.). ProjetEEE. Recuperado 24 de julho de 2025, de https://projeteee.mme.gov.br/sobre-o-projeteee/ Reis, E. (2025). PLANT’ÁGUA realiza oficina de ‘Plantio de Água’ no II Festival Manhágua. Jornal O Alegrense. https://jornaloalegrense.com.br/noticia/2848/plantgua-realiza-oficina-de-plantio-gua-ii