Editorial

Sem protagonismo nada acontece

Prezades leitores e permacultores,

Sejam bem-vindes ao primeiro número da Revista Perma, um periódico científico-popular que busca a popularização da permacultura!

A seguir apresentaremos um breve histórico do desenvolvimento da Revista Perma até chegarmos aqui, e em seguida partilhamos reflexões sobre a importância que damos a esta iniciativa diante dos desafios ecológicos e civilizatórios que vivenciamos em nosso tempo.

A construção da Revista Perma iniciou em julho de 2017, quando da realização do 1º Curso de Planejamento em Permacultura para a Academia em Florianópolis, promovido pelo Núcleo de Permacultura da UFSC. Na mesma ocasião foi estabelecida, também, a Rede Brasileira de Núcleos e Estudos em Permacultura. Os trâmites de estruturação da Revista iniciam apenas no final de 2018 junto à UFSC, mas ficam parados por mais 4 anos e, em 2022, a Revista passa a ser vincula às instalações da Unipampa, onde é incorporada ao portal de periódicos daquela instituição. Com isto, abre-se a primeira chamada para submissão de manuscritos e surge uma série de desafios técnicos, que culminam com a migração dos conteúdos da revista da infraestrutura da Unipampa para uma nova, autogestionada pela Rede NEPerma Brasil junto aos servidores da UFSC.

Sem a pretensão de seguir as conformidades e exigências de um periódico científico convencional, a Revista Perma tem a proposta de integrar e unir os saberes ancestrais e acadêmicos e, para isto, estamos em constante adaptação para nos comunicar com públicos que praticam diferentes linguagens e aspirações em prol da popularização da Permacultura.

Além de não se identificar com o padrão de periódico apenas científico, a Revista Perma opera seu fluxo de trabalho de avaliação dos manuscritos submetidos de forma “horizontal”, aberta, interativa e circular. A sistematização e calibração desse processo, tomou tempo considerável da equipe editorial, mas estamos criando uma estrutura robusta para que nosso novo canal de comunicação tenha muita resiliência e possa exercer sua tarefa de espaço colaborativo de construção e partilha de conhecimentos.

No momento em que lançamos a primeira florada e colhemos os primeiros frutos da Revista Perma – nesta primavera silenciosa (Carson, 1962) que é uma das mais quentes da última década – somos imediatamente confrontados com uma verdade inegável: nossa espécie enfrenta desafios existenciais sem precedentes. O risco de colapso dos sistemas naturais, aquecimento global, catástrofes e crimes socioambientais, migrações em massa, enchentes, refugiados climáticos, não são mais manchetes distantes, e agora estão em frente à nossa porta (Haraway, 2016; Rockström et al., 2009).

O calor dos nossos territórios e corpos ecoa o aquecimento do sistema Terra, e a magnitude dos desafios ecológicos e psicossomáticos desse cenário pode levar muitas pessoas ao desespero, o que se denomina como ecoansiedade (Suzuki, 2023). Por outro lado, ao invés de ficarmos inertes assistindo ao adoecimento da Mãe Terra, podemos nos inspirar na coragem e atitude proativa dos povos que resistem em culturas de permanência nos territórios de Abya Yala (Porto-Gonçalves, 2009).

Desde onde estamos – no Brasil – os povos afropindorâmicos (Dos Santos, 2015) nos ensinam que o enfrentamento a estes desafios pode e precisa ser enraizado na valorização dos modos de vida ancestrais, no amor, no resgate de conhecimentos e valores espirituais por meio de alianças e vínculos afetivos e na busca de autonomias que respeitem os diferentes projetos de vida (Céspedes, 2022; Dos Santos, 2015; Escobar, 2015; Ferreira & Felício, 2021; Kothari et al., 2022; MAYÁ, 2022; Mies & Shiva, 2021). Para muito além da preocupação com soluções técnicas e macropolíticas mirabolantes, devemos começar a mudança a partir de onde estamos e para o modo como queremos viver diante da necessidade de reconexão com a Terra Viva (Harding, 2013).

A permacultura para nós se apresenta como mais um caminho de reconexão com a Terra por meio de perspectivas sistêmicas e comunitárias, de vida sustentável em pequenas e médias escalas (Mollison & Holmgren, 1990), nos instigando a imaginar e projetar novas paisagens, mudar nossas práticas, sistemas e nossa relação com os demais seres vivos que a cohabitam a Terra nesses tempos de ruína do capitalismo (Tsing, 2019).

No Brasil, a confluência de experiências e aprendizados desenvolvidos nas biointerações dos povos originários e afrodiaspóricos (Dos Santos, 2015, Ferreira e Felício, 2021) se enraízam em formas diversas de conhecer e interagir com o mundo e podem nos ensinar muito sobre a valorização da diversidade na transição para projetos de vida mais sustentáveis (Escobar, 2015; Kothari et al., 2022). Nosso compromisso como permacultores e para com as permaculturas deste tempo, deve ser a valorização da união entre o conhecimento acadêmico e ancestral para reconhecer e/ou criar soluções que transcendam as limitações das abordagens “de cima para baixo” e das ações individuais isoladas (Henderson, 2012; Henfrey & Ford, 2018). E neste contexto a permacultura nos ajuda a atuar com protagonismo – individual e coletivo – a partir de onde quer que estejamos. Porque as respostas precisam vir do chão dos nossos territórios, de diferentes contextos e lugares ao mesmo tempo.

No Brasil, o primeiro curso de planejamento em permacultura foi oferecido há mais de 30 anos, em paralelo a ECO 92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92 – Cúpula da Terra) por Bill Mollison. Desde então tem se desenvolvido uma “permacultura brasileira”, originalmente pensada para atuar fundada em institutos criados em cada bioma, visando adaptar os conceitos e lógicas sistêmicas da permacultura em cada um de nossos contextos bioclimáticos, buscando também facilitar sua difusão em território nacional. A divulgação desta rica experiência de construção de conhecimentos – dentro e fora da academia, é o principal objetivo desta da Revista Perma.

Neste primeiro periódico científico-popular sobre permacultura, incentivamos a publicação de reflexões e experiências de pessoas que vivenciam a permacultura por caminhos teóricos e práticos, e desejamos com isto também consolidar uma plataforma dedicada à construção colaborativa e ao compartilhamento de conhecimento sobre permacultura e suas intersecções.

Seguindo o conselho do pensador indígena Ailton Krenak e do inspirador líder quilombola Nêgo Bispo – que à terra retornou enquanto escrevíamos este texto -, precisamos parar de nos desenvolver no sentido capitalista e começar a nos envolver no sentido da Vida! (Dos Santos, 2015; Krenak, 2020). Este precisa ser o “espírito do nosso tempo”!

Por isto, é com grande entusiasmo, que agora lhes oferecemos as primeiras flores e frutos deste projeto cultivado a partir das sementes vivas e cognitivas da sustentabilidade que desejamos ver florescer!

Esperamos que se envolvam, apreciem e dispersem!

Letícia, Arthur e Antônio

 

REFERÊNCIAS

Carson, R. (1962). Primavera silenciosa. Global Editora e Distribuidora Ltda.

Céspedes, D. C. (2022). Geapolítica del Vivir Bien (1o ed). Vicepresidencia del Estado Plurinacional,. https://www.vicepresidencia.gob.bo/IMG/pdf/geapolitica_del_vivir_bien_dch-2.pdf

Dos Santos, A. B. (2015). Colonização, Quilombos, Modos e Significações (Vol. 1). INCTI/Universidade de Brasília.

Escobar, A. (2015). Territorios de diferencia: La ontología política de los “derechos al territorio”. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 35. https://doi.org/10.5380/dma.v35i0.43540

Ferreira, J., & Felício, E. (2021). Por Terra e Território: Caminhos da Revolução dos Povos no Brasil. Teia dos Povos.

Haraway, D. (2016). Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: Fazendo parentes. ClimaCom – Vulnerabilidade (online). http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-chthuluceno-fazendo-parentes/

Harding, S. (2013). Terra Viva: Ciência, Intuição E A Evolução De Gaia. Cultrix.

Henderson, D. F. (2012). Permacultura: As técnicas, o espaço, a natureza e o homem. https://bdm.unb.br/handle/10483/3408

Henfrey, T., & Ford, L. (2018). Permacultures of transformation: Steps to a cultural ecology of environmental action. Journal of Political Ecology, 25(1), Artigo 1. https://doi.org/10.2458/v25i1.22758

Kothari, A., Salleh, A., Escobar, A., Demaria, F., & Acosta, A. (2022). Pluriverso: Um dicionário do pós-desenvolvimento. Editora Elefante.

Krenak, A. (2020). Ideias para adiar o fim do mundo (2o ed). Companhia das Letras.

MAYÁ, M. M. A. R. (2022). A escola da reconquista (Vol. 1). Teia dos Povos.

Mies, M., & Shiva, V. (2021). Ecofeminismo. Luas.

Mollison, B. C., & Holmgren, David. (1990). Permaculture one: A perennial agriculture for human settlements. Tagari; /z-wcorg/.

Porto-Gonçalves, C. W. (2009). Entre América e Abya Yala – tensões de territorialidades. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 20. https://doi.org/10.5380/dma.v20i0.16231

Rockström, J., Steffen, W., Noone, K., Persson, Å., Chapin, F. S., Lambin, E. F., Lenton, T. M., Scheffer, M., Folke, C., Schellnhuber, H. J., Nykvist, B., de Wit, C. A., Hughes, T., van der Leeuw, S., Rodhe, H., Sörlin, S., Snyder, P. K., Costanza, R., Svedin, U., … Foley, J. A. (2009). A safe operating space for humanity. Nature, 461(7263), Artigo 7263. https://doi.org/10.1038/461472a

Suzuki, S. (2023, abril 22). O que é “ecoansiedade”, angústia pelo planeta que atinge mais crianças e adolescentes. BBC NEWS – São Paulo. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c84m3j2nx7po

Tsing, A. (2019). Viver nas ruínas: Paisagens multiespécies no antropoceno. IEB Mil Folhas.