Agricultura Ecológica: uma conversa com Fukuoka, Jackson e Mollison

Perma – Rev. Perma – Perma jour., v. 1, n. 1, e11202302, primavera de 2023

Referência completa da obra que foi traduzida:

Mother Earth News. (1987). Ecological Farming: A Conversation With Fukuoka, Jackson and Mollison. Mother Earth News. https://www.motherearthnews.com/homesteading-and-livestock/ecological-farming-zmaz87mazgoe

Ecological Farming: a conversation with Fukuoka, Jackson and Mollison

CAMPOS, Paulo Eduardo Rolim1; MEDEIROS, Luciana Melo de2

Submetido em 5 dez 2022, Aceito em 23jun2023
Avaliado por Elias Ribeiro Arruda

Resumo: Em 1986, nos Estados Unidos da América, ocorreu a 2º Conferência Internacional de Permacultura que propiciou o extraordinário encontro entre alguns dos mais profícuos pensadores do movimento global por uma agricultura regenerativa. Na ocasião registrou-se uma conversa entre Masanobu Fukuoka (1913-2008), ancião japonês, microbiologista, praticante da agricultura selvagem; Wes Jackson (1936), cowboy norte-americano, geneticista com sua agricultura perene e Bill Mollison (1928-2016), rebelde jardineiro australiano, biogeógrafo, cocriador da Permacultura. O manuscrito retrata o histórico encontro, e apresenta uma inusitada entrevista entre estes importantes agricultores – pesquisadores, que são fundamentais no processo de ruptura epistemológica sob uma ciência de base holística.

Palavras-chave: Ecologia radical; História da Permacultura; Virada paradigmática.

Abstract: In 1986, in the United States of America, the 2nd International Conference on Permaculture took place, which provided an extraordinary meeting between some of the most fruitful thinkers of the global movement for regenerative agriculture. On that occasion, a conversation was recorded between: Masanobu Fukuoka (1913-2008), Japanese elder, microbiologist, practitioner of wild agriculture; Wes Jackson (1936), American cowboy, geneticist with his perennial agriculture; and Bill Mollison (1928-2016), rebellious Australian gardener, biogeographer, co-creator of Permaculture. The manuscript portrays the historic meeting, and presents an unusual interview between these important farmers – researchers, who are fundamental in the process of epistemological rupture under a science with holistic basis.

Keywords: History of Permaculture; Paradigmatic turn; Radical ecology.

Introdução

Teremos, a seguir, um diálogo entre três sujeitos que optaram em assumir papéis de vanguarda durante sua passagem no planeta Terra. O registro desse encontro inusitado entre sujeitos notáveis adquire importância também no sentido de manter acesa a chama dos ideais de transformação social a partir de uma urgente e necessária virada paradigmática da relação com a produção agrícola e o manejo da terra.

Dos três, apenas Wes Jackson encontra-se vivo, hoje com 87 anos. Masanobu Fukuoka faleceu em 2008 aos 95 anos e Bill Mollison em 2016, com então 88 anos. Vale ressaltar que de 1986 para cá, ano do registro, se passaram mais de três décadas e o que mais chama atenção é a atualidade e urgência do seu conteúdo.

O bate-papo entre estes sujeitos notáveis aconteceu por ocasião da realização da 2° Conferência Internacional de Permacultura, ocorrida nos Estados Unidos da América, de 8 a 10 de agosto de 1986, nas dependências do Evergreen State College, em Olympia, capital do estado de Washington. A entrevista foi conduzida pelo jornalista Pat Stone e publicada originalmente na revista Mother Earth News[1], em sua edição de março-abril de 1987. Abaixo reproduzimos na íntegra o diálogo ocorrido.

Uma conversa com três agricultores-pesquisadores e líderes do movimento global por uma agricultura natural e permanente, falando sobre agricultura ecológica e as sementes do nosso futuro.

Em agosto passado (1986), três líderes do movimento global por uma agricultura natural e permanente (também chamada de Permacultura) reuniram-se no Evergreen State College, em Olympia, Washington, para a 2º Conferência Internacional de Permacultura. O Mother Earth News também esteve lá, e nosso colunista do Seasons of the Garden, obteve uma tripla entrevista exclusiva com os sujeitos que foram rotulados como a “Santíssima Trindade” da agricultura ecológica.

Logo mais abaixo, de maneira editada, apresenta-se um diálogo entre pessoas que estão assumindo papéis-chave na definição do futuro do nosso planeta. Antes, deixe que Pat Stone, o editor-assistente que conduziu a entrevista, apresente a você algumas informações sobre os três sujeitos:

O australiano Bill Mollison criou o conceito de Permacultura, a partir da Agricultura Ecológica. Com uma barba grisalha e voz grossa, Bill tem um senso de humor seco, um temperamento mal-humorado e uma absoluta dedicação à sua causa. Antes de discursar na conferência, ele se apresentou como “um grande contador de histórias que já motivou milhares de pessoas a entrar em ação”. Mollison ocupou vários postos de trabalho: de marinheiro a professor-pesquisador sênior de Psicologia Ambiental na Universidade da Tasmânia. Dois anos antes de sua aposentadoria, ele deixou essa estável posição universitária para abrir os caminhos para a Permacultura.

Para Mollison, a agricultura permanente significa sistemas sustentáveis cuidadosamente projetados, nos quais o arranjo, a organização e as interações de plantas e animais são os fatores centrais. Plantas perenes, especialmente árvores, desempenham um grande papel em suas paisagens multiespécies. Um sistema permacultural exige muito planejamento e um bom trabalho para se concretizar. Entretanto, quando consolidado tem a capacidade de se auto manter.

Wes Jackson pesquisa combinações de lavouras perenes em Salina, Kansas/EUA. Ele é um imponente “cowboy” do centro-oeste americano, de mãos grandes e sempre com um sorriso no rosto. Jackson combina uma natureza calorosa, um humor original e pesquisas científicas de excelência (Ele é doutor em Genética). Um de seus temas favoritos para proferir palestras, por exemplo, é: “Policultura de herbáceas perenes produtoras de grãos: uma contribuição ao fim da possibilidade do holocausto nuclear e a solução para todos os problemas conjugais”.

Nos 80 hectares do Land Institut, nas pradarias do meio-oeste americano, Wes e sua equipe de pesquisa trabalham para criar uma mistura de lavouras perenes como girassol, centeio e outras que possam produzir uma colheita contínua de grãos durante todo o ano. Esse sistema de alto rendimento responderia por sua própria fertilidade, minimizaria problemas com pragas e ervas daninhas e não necessitaria preparar anualmente o solo de forma um tanto erosiva. O sistema alimentar autossustentável seria projetado por humanos, mas seguiria os princípios da natureza. “Não é que os humanos não executem com a mesma rapidez da Natureza , mas é só porque a Natureza já faz isso há muito mais tempo.” diz Jackson.

Masanobu Fukuoka é um homem completamente fascinante, difícil de entender. Esse pequeno sujeito oriental de quimono, é na essência um monge budista que escolheu o caminho da agricultura. Ele não fala inglês, mas sua gentileza se comunica por seu semblante (Seus olhos cintilantes revelam que um humilde filósofo e um sujeito brincalhão dividem o mesmo corpo)

Fukuoka era um cientista agrícola que após uma grave doença teve um “lampejo de percepção” de que a Natureza era perfeita e que o conhecimento humano não tinha sentido. Após a Segunda Guerra Mundial ele partiu para pôr à prova suas ideias através da agricultura, desde então tem cultivado em uma pequena fazenda comercial, arroz, cevada e frutas cítricas. Fukuoka defende o que ele chama de agricultura do “não fazer nada”. Há quatro décadas ele não usa fertilizante, nem pesticida, não faz capina e nem plantio direto, e ainda alcança rendimento de grãos tão alto quanto os agricultores japoneses convencionais. Um exemplo de suas técnicas é envolver sementes de cevada e trevo em bolas de barro e lançá-las em sua lavoura de arroz já madura. Após isso, ele espalha a palha do arroz sobre a cevada, que em seguida brota. A cobertura permanente composta de palha e trevo impede o crescimento de ervas espontâneas e promove a fertilidade do solo.

Hoje, Fukuoka-san (Na tradição japonesa, o termo “san” é adicionado após o nome próprio de um idoso, de forma a prestar reverência ao ancião) desfruta de um estilo de vida alinhado a seus métodos de cultivo. Doou a maioria de seu patrimônio à família, possui três conjuntos de roupas, e vive sozinho em uma pequena cabana.

Um australiano, um norte-americano do Kansas e um japonês, esses três apresentam uma visão ampla das maneiras pelas quais uma agricultura verdadeiramente natural poderia ajudar a salvar nosso solo e nosso planeta.

Pat Stone (PS): Talvez a melhor maneira de começar seja simplesmente perguntando a cada um de vocês sobre o seu propósito de vida e trabalho.

Bill Mollison (BM): Eu sou uma pessoa muito simples, tudo que quero fazer é regenerar a Terra. É nisso que trabalho o tempo todo.

Wes Jackson (WJ): Para mim, o objetivo é salvar os solos, deixar de introduzir no meio ambiente esses produtos químicos que fazem a degeneração de nossas células. Sair da matriz de combustível fóssil para operar a agricultura sob a luz do sol.

Masanobu Fukuoka (MF): Parte do meu propósito é criar uma sociedade onde ninguém tenha que fazer nada.

PS: Perdão, não entendi!

MF: Esse é um fazendeiro natural dormindo em pleno dia de sol (desenha um homem dormindo debaixo de uma árvore). Ele não faz quase nenhum trabalho, nem aragem, nem adubação e nem capina. Eu poderia dizer que tenho dormido por 40 anos, mas meus rendimentos são tão altos, quanto aqueles dos fazendeiros que trabalham o tempo todo.

PS: Fukuoka-san, você poderia explicar brevemente a diferença entre o seu método de cultivo natural e a agricultura convencional?

MF: A agricultura natural e a científica são diametralmente opostas. A primeira procura se aproximar mais da Natureza e a outra de se afastar. A pesquisa científica discrimina, decompõe e analisa. Portanto, por definição, o conhecimento científico é fragmentado e incompleto.

Mas a Natureza é um todo indivisível. Não há ponto de partida ou destino, apenas um fluxo sem fim. Para aprender com a Natureza, você deve livrar-se de seus preconceitos, suas análises, suas distinções intelectuais. Seja como o bebê que vê tudo de uma vez, holisticamente. Torne-se uma pessoa tola, deixe a sua cabeça vazia, não pense em nada. Então você pode entender a Natureza e instintivamente entender o que precisa ser feito e o que não deve ser feito para trabalhar em harmonia com seus processos.

Porém, há um problema: para fazer a agricultura natural a pessoa deve conhecer o que é a Natureza inalterada. Ao observar a Natureza artificial criada pelos humanos, as pessoas acabam entendendo mal a Natureza. Você não pode ser um agricultor natural abandonando a Natureza após alterá-la, em vez disso, após examinar o solo e a Natureza real de uma área, você deve selecionar cuidadosamente a semente e determinar quando, onde e como cultivá-la.

PS: Bill, você acha que o tipo de agricultura natural de Fukuoka está incluído na Permacultura?

BM: Não somente incluída, como é bem-vinda. Na verdade, eu tinha uma mentalidade contra toda lavoura temporária, então eu não incluí nenhuma referência a isso em meu primeiro livro Permacultura Um, até que Fukuoka escreveu A Revolução de uma Palha. Agora eu sei que as abordagens desses dois cavalheiros se encaixam naturalmente na estrutura da Permacultura. De fato, eu e Fukuoka-san, somos basicamente a mesma pessoa.

PS: Todos vocês três acreditam em uma agricultura ambientalmente saudável que usa uma mistura integrada de plantas e plantio direto, mas sinto que existem algumas diferenças reais entre vocês.

BM: Simplesmente eu acho que somos três aspectos de um esforço para fazer a mesma coisa. Fukuoka-san trabalha na produção de grãos sem plantio. Wes se preocupa em revitalizar as pradarias desenvolvendo uma lavoura perene de grãos de bom rendimento. E eu e muitos outros que estão comigo, trabalhamos com a saúde do solo, plantas comestíveis, e também com integração financeira para apoiar empresas ambientalmente responsáveis.

WJ: Eu diria que Fukuoka-san trabalha muito com lavouras temporárias de herbáceas. Ele está tentando tirar proveito da integração natural entre as culturas contemporâneas e as tradicionais. Mollison enfatiza o design da paisagem, paisagismo comestível e assim por diante. No Land Institut, estamos tentando integrar ecossistemas herbáceos perenes e sustentáveis para os agricultores.

Também estamos tentando determinar quais princípios biológicos podem estar em ação. Essa é uma das contribuições mais importantes de nossos esforços: descobrir os princípios ecossistêmicos da agricultura. Esses princípios seriam aplicáveis no Chade, na União Soviética, no Japão ou em qualquer outro lugar.

Estamos tentando nos tornar “ecossistemólogos” que usam uma abordagem dialética de todo o sistema, não uma abordagem cartesiana de uma parte sobre o todo. E digo-lhe é difícil. Para nos ajudar a manter essa abordagem interconectada, estamos criando uma conexão natural e física entre nossos pesquisadores. Cientistas do solo, técnicos agrícolas, ecologistas, entomologistas e fitopatologistas, todos usam as mesmas instalações do laboratório e todos têm seus nomes em qualquer documento produzido. Esperamos que o ambiente compartilhado ajude a ditar um padrão de pensamento e um comportamento holístico e ecossistêmico.

MF: Não há tempo! Não há tempo! Se você adotar essa abordagem passo a passo, no momento em que obtiver seus resultados, será tarde demais. Além disso, o Sr. Jackson acha mesmo que pode controlar tudo neste centro de pesquisa? Cada departamento se desenvolve de forma centrífuga, é muito difícil de alcançar uma unidade.

Existe outro caminho. Não faça sua pesquisa perguntando: E se tentássemos isso? Que tal se tentasse isso? Ao invés disso, vá à direção oposta e pergunte: E se não fizermos isso? E se não fizermos aquilo? Após 30 anos de esforços consegui reduzir meu próprio trabalho a apenas, e essencialmente, espalhar palha e plantar sementes.

WJ: Esta é uma diferença saudável de opinião sobre o papel da ciência. Nosso conhecimento científico atual veio às custas de florestas, solos e combustível. Considerar esse conhecimento como condenável simplesmente porque foi acumulado a custo de muito capital ecológico é tratá-lo da mesma maneira que tratamos essas florestas e solos. Nós não podemos fazer isso agora, precisamos transformar esse conhecimento para trabalhar em direção à regeneração da Terra, ela tem o potencial de ser regenerada, assim como se faz em qualquer paisagem menor.

MF: Sr. Jackson, quão bem você acha que a humanidade conhece a Natureza?

WJ: Bem, claro que nós não conhecemos a Natureza muito bem. Mas desde o início da agricultura, tivemos que descobrir o máximo possível sobre como trabalhar com a Natureza. Por bem, acho que devemos perguntar: a ciência é uma força intrinsecamente alienante na sociedade? Essa questão deve estar sempre diante de nós porque se somos cientistas em primeiro lugar e seres humanos em segundo lugar, não podemos nos dar ao luxo de fazer essa pergunta. Mas se somos seres humanos em primeiro lugar e os cientistas em segundo lugar, não podemos nos dar ao luxo de não fazer essa pergunta.

Acho que talvez você esteja reagindo à conjuntura atual da ciência. Não acredito que a ciência tenha que nos alienar da Natureza. Vamos esperar que a ciência futura tenha alta precisão, com uma maior medida de humildade sobre suas próprias imperfeições e os mistérios da Natureza.

MF: A confusão começou quando os humanos comeram o “fruto do conhecimento”. Adão e Eva foram jogados fora do Jardim do Éden. A única maneira de voltar é jogar fora o conhecimento! Apenas se torne tolo como um pássaro ou um bebê!

Entendo a abordagem científica do Sr. Jackson. Eu costumava ter a mesma visão quando era cientista. Você pode pensar em nós três como estando no cavalo de Dom Quixote. Estamos no mesmo cavalo, mas parece que estamos dizendo coisas diferentes. O cavalo está correndo em direção ao abismo, Wes Jackson está tentando parar os pés do cavalo, Bill Mollison está tentando virar a cabeça do cavalo e eu estou apenas pendurado na cauda do cavalo! (Risos)

PS: Seria difícil ignorar a insinuação de desgraça colorindo essa conversa. Quão ruim vocês três sentem a nossa situação atual?

BM: A agricultura moderna é a atividade mais destrutiva na face da Terra. Se vamos melhorar as coisas, temos que fazê-lo em breve ou não. Estou absolutamente convencido disso. Eu viajo muito e tenho visto em todos os lugares sinais do colapso dos grandes sistemas.

WJ: Os altos rendimentos da agricultura criam uma ilusão de sucesso, mas é apenas o resultado da transferência de carbono fóssil para o carbono dos produtos agrícolas. Se houvesse uma contabilidade completa teríamos que dizer que a agricultura industrial moderna é a forma de agricultura menos eficiente e mais devastadora que já foi inventada, ela degrada a própria base de nossa existência.

Para mim, a agricultura é o problema ambiental número um, além da possibilidade de holocausto nuclear. Em síntese, estamos enfrentando a situação mais perigosa que a humanidade já se encontrou.

MF: O alimento produzido nos Estados Unidos da América não é produzido pelo solo, mas pelo petróleo. Herbicidas, pesticidas, fertilizantes, petróleo, petróleo, petróleo… Se a agricultura química continuar, a Terra será destruída muito mais cedo do que você espera.

PS: Um dia as pessoas famosas dirão: “Você notou que fulano está comendo produtos de lavouras temporárias?”

BM: Vou me concentrar apenas nas reações catalíticas destrutivas que estamos causando na atmosfera. Parece que agora produtos químicos com cloro estão destruindo a camada de ozônio sobre a Antártida, criando uma janela ultravioleta maior que a América, que caso ela se expanda, deixará a Terra estéril.

Além disso, há o problema do acúmulo de CO2. A ciência prevê que mesmo que paremos agora, no mínimo, derreteremos parcialmente as calotas polares, pois com os atuais níveis de CO2, isso já foi iniciado. Então teremos que evacuar as regiões litorâneas do globo. Tudo isso devido ao uso excessivo de combustíveis fósseis, de energia solar gerada no passado e à destruição da biomassa vegetal, que absorve CO2 .

MF: Se a Terra perder pelo menos entre 3 % e 7 % a mais de sua cobertura vegetal, não conseguiremos. Haverá uma crítica escassez de oxigênio que afetará os sentidos e o modo de pensar dos seres humanos.

BM: Agora na Grécia, são realmente críticos os deficits de oxigênio, lá em breve você verá uma séria falta de oxigênio.

WJ: Eu duvido. Eu não acho que a falta de oxigênio seja o problema.

BM: Ele acha que é o excedente de carbono.

WJ: Eu acho que o desmatamento deve parar, mas a perda de oxigênio devido ao desmatamento é um problema minúsculo se comparado ao aumento da queima de combustíveis fósseis e à perda acelerada de carbono do solo devido à erosão, etc. Mas concordamos que o planeta está em apuros. Nós poderíamos sentar aqui e analisar os detalhes e gastar a maioria do nosso tempo declarando suposições, o importante é que concordamos que o mais positivo a se fazer é aumentar a cobertura vegetal e manter o solo coberto durante o ano todo, o máximo possível.

PS: Como vocês três estão progredindo com seus esforços?

BM: Eu tenho trabalhado com pessoas que estão indo para além do projeto de suas propriedades particulares, dando o próximo passo, na economia. Estamos viabilizando um financiamento inovador, um investimento ético para viabilizar uma série de negócios em pequenas comunidades. Objetivamos implantar lavouras de policultivo para pessoas que tenham como objetivo criar e preservar agroecossistemas estáveis baseados na Permacultura. Já conseguimos isso em partes da Austrália.

Também estamos promovendo a formação de mais professores de Permacultura. E estamos tentando preservar as áreas ricas em espécies que ainda existem. Por exemplo, em breve compraremos uma área de floresta tropical ameaçada, estabelecendo uma unidade de conservação. Você até pode revender sua parte, mas você simplesmente não pode alterar a floresta tropical. Às vezes compramos áreas degradadas, recuperamos e as preservamos.

MF: Não há agricultura natural no Japão. Na China, eles começaram a implantação de uma fazenda de agricultura natural de 1 milhão de hectares. Há alguma agricultura natural acontecendo na Índia e nos Estados Unidos da América. Sinto um forte interesse do povo na África, mas ainda não começou.

WJ: Em geral, um dos problemas básicos em nossas tentativas de aumentar os rendimentos em lavouras perenes, é a própria Natureza. Enquanto num ano a planta coloca suas energias na produção de sementes para garantir às gerações futuras, no outro negligencia suas sementes e coloca a maioria de suas energias em um sistema de raízes sobreviventes. Então a primeira pergunta básica que temos que fazer é: Alto rendimento e a lavouras perenes podem caminhar juntos?

Estamos obtendo resultados encorajadores o suficiente para que agora eu possa dizer que a resposta é sim. Estou ansioso pelo dia em que as pessoas da moda em um restaurante de comida natural em Berkeley ou Cambridge digam: “Você notou que fulano de tal ainda está comendo produtos de lavouras temporárias?”

Sério, acredito firmemente que, se conseguirmos obter altos rendimentos por três anos consecutivos de uma lavoura perene, a agricultura perene terá um grande impacto na produção agrícola. Mas acho que tudo isso levará de 50 a 100 anos.

PS: O que mais precisa ser feito?

BM: Para escaparmos do desastre, precisamos abrir uma discussão em larga escala sobre a definição do futuro, da mesma forma que lá na Suécia, os suecos discutem questões políticas na televisão. Recentemente tivemos na Austrália uma série de televisão chamada “Heartlands”, que em cinco episódios mostrou exemplos de ações positivas realizadas por indivíduos, a série teve a maior audiência da história do país.

Se em breve não levarmos essa discussão para uma mídia de base global, pode ser tarde demais. Talvez devêssemos tomar conta das estações de rádio e televisão locais e apresentar ao povo dos Estados Unidos da América e dos outros países, casos e mais casos de ações. Acessar pessoas que tenham sugestões sensatas sobre como reverter as coisas. Contatar bons cientistas que falem sobre isso. Uma de minhas paixões é identificar pequenas experiências de autossuficiência, há pessoas fazendo com que as coisas funcionem em tudo quanto é lugar. Isso nos tem permitido continuar ensinando que a Permacultura funciona de muitas maneiras, tanto nas Ilhas Fiji, como na América, ou em Sydney. Em primeiro lugar, devemos principalmente direcionar os fundos de investimento para a regeneração da Terra, dizendo a muitas pessoas como fazer e fazendo com que estas digam para muitas outras pessoas. O fato é que a maior cura para o problema da agricultura está na autoconfiança das pessoas em produzirem alimentos em seu próprio quintal.

WJ: Bill, eu tenho dificuldade em falar de algo que não estou por perto, até mesmo do condado aqui próximo, porque eu também nunca estive lá, assim tenho receio de falar pelo resto do mundo. Eu nunca estive na África ou na Ásia.

O que posso falar é da agricultura estadunidense, que provavelmente é a agricultura de maior responsabilidade no mundo. Infelizmente, também se tornou o padrão idealizado na maioria do restante do mundo. O problema com a agricultura estadunidense é que ela é supercapitalizada. Os tratores de tração nas quatro rodas custam 120.000 dólares, os implementos custam 80.000 dólares. Pesquisas mostram que, se um agricultor médio tem agora 10.000 dólares para gastar, é mais rentável contratar uma pessoa do que comprar mais equipamentos.

Isso é um bom sinal. Não seria um retrocesso. O que precisamos para ter uma agricultura biológica resiliente é ter muitas pessoas na terra: uma alta proporção de olhos por hectare.

BM: Floresteiros cuidando de plantações de árvores. É isso que ele está falando, floresteiros.

WJ: Não, entre as vinte principais safras apenas duas são árvores, banana e coco, a décima nona e a vigésima respectivamente. Quando você realmente está com fome e falando sério sobre comer, você busca grãos e legumes. Considerando a convicção e o forte ponto de vista de Bill, acho que essa declaração exigiu muita coragem de minha parte! (Risos)

Estou dizendo que para fazer a agricultura sustentável funcionar, precisamos de cada vez mais de pequenos agricultores. Você precisa manter seus sistemas pequenos o suficiente para que você possa continuar observando e aprendendo. Acho que como Thomas Jefferson (1743 – 1826) tinha em mente, a presença de pequenos agricultores aqui não é nostalgia, mas é uma necessidade prática. Conseguir isso é o desafio para o nosso tempo.

Eu concordo com Bill que a primeira coisa que temos que fazer é encontrar os bons exemplos que já existem em todo o país e torná-los altamente visíveis. Eu não sei se devemos espalhar a palavra através de um boletim ou no boca-a-boca, ou o quê, eu não sou tão fã como Bill da ideia de usar a televisão. Mas há algumas pessoas que vêm fazendo uma agricultura sustentável há anos e somente Deus tem observado.

Você sabe que o problema da agricultura não é insuperável, né? Este é fundamentalmente um problema religioso. A terra não é um presente de Deus, nós não possuímos isso, o que temos é o direito de usar a terra. Não temos o direito de danificá-la. Em vez disso, temos que obedecer ao que é efetivamente um mandamento: devemos cuidar do jardim de Deus.

PS: Fukuoka-san?

MF: Se não pudermos mudar agora o caminho da agricultura, será tarde demais! Mesmo se praticarmos a agricultura natural, mesmo sendo algo que temos que fazer, tenho a sensação de que ainda assim será tarde demais.

PS: Vocês três acham de verdade que podemos mudar as coisas? Ou temos que enfrentar um Armagedom agrícola?

BM: Eu concordo com o Sr. Fukuoka que não há muito tempo. No entanto, se ocorrer o desastre, embora afete a agricultura e possa ter sido causado pela agricultura, isso não acontecerá em termos de agricultura. Não vamos conseguir devastar todo o solo antes de desequilibrarmos finalmente a atmosfera.

E eu não tenho nenhum grande otimismo de que iremos sobreviver. Não muito tempo atrás, foi pedido a cerca de 900 (novecentos) cientistas australianos que ajudassem a convocar todos os australianos para se reunirem e discutirem maneiras de mudar o futuro do meio ambiente, 700 (setecentos) deles não ajudaram, eles disseram que já era tarde demais.

O que eu tenho é a determinação de dar a qualquer um, toda chance que houver, mas todos temos que começar a trabalhar agora. O tempo para coletar evidências já acabou, só há tempo para ação. Não há mais espectadores, apenas jogadores.

WJ: Bem, acho que as coisas vão piorar antes de começarmos a fazer uma mudança significativa, não precisamos nos perguntar sobre isso, as coisas vão piorar.

Você tem que perceber que a escala do problema é muito mais ampla do que pensávamos, a agricultura não é um satélite que precisa ser consertado. Toda a nossa sociedade terá que se afastar da energia vertical, isto é, energia de combustível fóssil, a energia antiga, para coletar energia horizontal, energia contemporânea, como energia eólica, hidroeletricidade, etc.

Mas podemos fazer melhor. Estou certamente esperançoso.

MF: Há uma última chance. No sumô, há uma maneira de vencer no último momento. Quando um pequeno lutador vai sendo empurrado para trás por um grande lutador, no momento em que se chega ao final do ringue, ele usa o peso e a força que vem sobre ele e vira o grandalhão por cima do ombro. O grande é jogado para fora do ringue e o pequeno vence.

Nossos líderes mundiais devem ser como lutadores de sumô e terem grande coragem. Eles devem carregar os mísseis e os bombardeiros, com bombas e implementos de guerra e levar para bem longe. Em seguida, carregarem os mísseis com sementes de todos os diferentes tipos de vegetais, de árvores frutíferas e de grãos. Atirarem por toda a Terra espalhando sementes. Espalhando-as sobre os desertos, cobrindo gramados e outras paisagens artificiais.

No primeiro ano, pode parecer uma bagunça, depois que a chuva chegar, tudo surgirá aqui e ali. No segundo, a Natureza começará a lhe dizer, onde e quais plantas crescerão bem. No terceiro ano, microrganismos, minhocas e pequenos animais irão aumentar e começar a enriquecer o solo.

Então, quando houver comida para as pessoas de todos os lugares, as atitudes das pessoas vão mudar, pois elas não estarão em um estado de espírito tão confuso. Você recuperará a Terra, consertará a crise ecológica, consertará a crise econômica e dará às pessoas chances de encontrarem a felicidade.

E então poderá haver paz.

Agradecimentos

Agradecemos a gentileza The Mother Earth News Editors na disponibilização do direito de tradução e reprodução em língua portuguesa.

Contribuições

  • Autor: Paulo Eduardo Rolim Campos – Tradução

  • Autora: Luciana Melo de Medeiros – Revisão de tradução

1– Programa de Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial / Universidade do Estado da Bahia (PPGADT/UNEB), permaculturakariry@gmail.com

2 Programa de Pós-graduação em Antropologia / Universidade Federal de Pernambuco (PPGA/UFPE), lucianamm13@gmail.com